Sexo em amor de contingência

Até aquele momento a vida se parecia com um engenho óbvio. Todos os seus hábitos eram do mundo conhecido. Com trinta anos de casamento estável, feito de ternuras e horas certas, havia adquirido o domínio sob o próprio eu. Todo o desejo normal por outras mulheres, havia se desfeito numa espécie de doutrina secreta, graças ao modo de observar sem ser notado - a que ele tão perfeitamente se devotava. Olhar até que podia, mas com discrição (virtude de cavalheiros) e a indiferença digna de um perito. Seu amor por Ana Luisa, esposa de tantos anos, era de um amor autocrático que suplantava os devaneios. Era o que pensava.

Convém declarar a necessidade permanente de controle no amor que se dá pela simplicidade da escravidão moral. Certa vez chegou a marcar um encontro com a fogosa executiva de corpo diverso, perfume desconhecido e cores novas num apartamento vazio. Ela estava partindo para Bagé, portanto seria um encontro casual, desses brevíssimos, sem guia de instinto para algumas horas ou minutos de loucura. Não sabia ao certo medir tanta represa viva de cotidiano.

Por alguns segundos viu na criatura um sentimento novo, mais forte do que o movimento de um carro, ou ainda os números que carregava em sua mente firme e reta. Explodiu nele uma amor estranho, repleto de inexplicável alegria a ponto de se convencer da existência de certa magia avivada pelo sorriso onipresente da mulher desconhecida. Previu que esse encontro no espaço, era esperado e desenhado atrás de outra linha de tempo inconsciente. Sim, ela era uma pessoa oriunda do passado remoto a lhe procurar durante milênios para um segundo de prazer incontrolável.

Perto do horário combinado, disse a esposa que daria um pulinho na farmácia, depois ocuparia a cadeira treze, naquela demorada reunião dentro do escritório fervilhante de hienas, todas caindo sobre a carcaça dos pobres arrastados em problemas fiduciários (o escritório é o algoz que serve de testemunho limpo para todas as contradições do instinto).

Mulher estranha sem saber. Qualquer mudança de tom nas palavras firmes e consisas denotam novos milênios, como se desde sempre esperasse nele alguma mudança. Mudança esta só possível em face dos outros. Ele tomou-se de zelos pela esposa e partiu dentro do carro preto. Estacionou no bar perto do apartamento vazio. Após beber água mineral desistiu da aventura. Ausentou-se sem dar notícias, ficando mais uma vez com a sensação de encontro perdido dentro de algo errado. Imerso naquela triste falta de compreensão universal do fato que exigia aceitação completa. Era o amor, compreendeu. O amor de quem continua em conjunto analfabeto do crepúsculo, da rosa, do jardim. Ficou na alma aquele encontro enganado, naquele lugar distante, para depois. Há um tempo em que perdemos a força para amar sem consentimento. Então a sociedade se movimenta ao contrário com suas deliciosas vagas de sensualismo. Movendo-se até encurralar o herói sem desejos.