A (LEI)TURA EX...AMIN(ATIVA)
terça-feira, 30 de junho de 2009
Claudeci Ferreira de Andrade
Escrevi, com muito esmero, a crônica: “Gramática é sério”, com o propósito sublime de incluí-la num projeto de livro que estou preparando para ser publicado. Estava ansioso que alguém a lesse para eu verificar a reação desse alguém à leitura: aprovação ou reprovação; comentários positivos e negativos. Assim, procedo com todos os meus textos, só dou por definidos depois de submetidos a várias leituras probatórias de pelo menos três pessoas diferentes. Sou humilde o suficiente para aceitar a possibilidade de melhora. Aliás, uso as observações para enriquecer meus trabalhos. Então, forneci uma cópia da tal crônica para a chefe do departamento em que trabalhei (projetos da SME). A sala estava pouco movimentada, assim, achei ser aquela a hora certa. Ela fitou a página por quatro minutos infrutíferos, estava paralisada com a folha diante dos olhos, depois simplesmente a largou em cima da mesa, junto com uma papelada danada, e saiu dizendo:
— Tenho que ler mais uma vez para lhe falar alguma coisa sobre o texto.
Foi ela virar as costas, e em nome do zelo, recolhi aquela cópia preciosa do meio daquela papelada, como um garimpeiro limpando suas pepitas. De repente, passou um vulto na janela, reacenderam minhas esperanças, corri até a porta para ver, era a colega da sala ao lado: departamento pedagógico. Chamei-a, pedi que lesse a crônica, ainda naquela tarde, para comentar comigo. Foi rápido, menos de dez minutos, ela retorna à sala de projetos, assenta-se à minha frente e com um ar de suspense, fez caras e bicos. Eu estava apreensivo, mas aguardei em silêncio até que ela me dissesse alguma coisa; finalmente:
— Olha, a crônica está muito boa, gostei muito! Só esse final que poderia ser mudado, pode desagradar alguns políticos.
Levantou-se e saiu. Não tive nenhum argumento iminente! Naquele instante, ela fez referência apenas ao óbvio! Então refleti pelo resto de tarde e parte da noite: Como gostaria que meu leitor tivesse modos tão ampliados de ler para realizar leituras mais extensivas, de forma que possa estabelecer vínculos cada vez mais estreitos entre o texto e outros textos, construindo referências sobre o funcionamento da literatura e entre esta e o conjunto cultural! Ou estou exigindo demais?
Este assunto é muito sério! Para você vê, ontem havia deixado um rascunho desta história que estou lhe narrando agora, em cima de minha escrivaninha, com o título: (Lei)tura Ex...amin(ativa). Minha esposa leu e perguntou:
— Como seria essa leitura "examinativa"?
Respondi que é o exame textual como prática daquele que sabe, de fato, atingir o pensamento alheio e visualizar com amplidão o objeto do texto, ou melhor, é um processo vivo de apuração tão profunda que vá até os elementos implícitos, estabelecendo relações entre o texto e o conhecimento prévio do leitor ou entre o texto e outros textos já lidos.
— E como adquirir essa leitura? – perguntou-me novamente.
Continuei respondendo que a leitura competente faz parte da luta pela dignidade humana, é mais uma responsabilidade que um privilégio, para ser mais específico, é uma técnica de leitura particular da criatividade de cada um. E que não é difícil constatar que as manifestações mais substanciosas vêm geralmente daqueles que se aprofundam no conhecimento criterioso da realidade abjetiva. É o que vemos na vida de trabalho e de esforço das pessoas comuns e/ou das bem dotadas, num extraordinário empenho que as leva à superação de si mesmas, ou em termos, dos seus próprios limites.
Se elas me compreenderam, não sei, o importante é que nunca mais lerão esse texto como o fizeram, agora sempre em nível mais profundo.