PESCANDO PINTINHOS

Sou um senhor, idoso, é bom enfatizar, de vinte e seis anos.

O motivo de minha velhice não são os meus muitos cabelos brancos. Às vezes vivo mais de passado e um passado que não vivi. Sempre distante, observo.

Em mim há um embate nos momentos em que me deparo com situações que afrontam minha já avançada idade, com a infância que retorna nos momentos mais improváveis.

São Roque é padroeiro do bairro onde vivo desde sempre, talvez só saiba disso por que minha avó freqüentava a igreja e acreditava, e, provavelmente, hoje, não tivesse essa informação, apesar da festa, devido à escassez de seguidores da religião ou vontade dos mais jovens de saber. Pois bem, todo mês de agosto, no dia do Santo, é realizada a festa em sua comemoração.

Há muito tempo atrás, quando criança, participava dessa festividade como venho fazendo até hoje. Afinal de contas, uma criança tinha o momento oportuno para brincar, gastar e pedir. Havia barracas, parque, shows e era tudo tão simplório que a beleza estava justamente aí.

As barracas eram como qualquer outra — quem já participou de quermesse do Interior conhece. Vendiam-se doces, bolos, pastéis e o famoso etc.

Uma barraca em especial era alegria das crianças, a da pescaria.

Na caixa de areia peixes de papel eram fisgados pelas crianças com varas com anzóis de arame retorcido. Desafio até para os mais coordenados, era honra fisgar o peixe de papel.

Nos últimos anos houve certa variação na premiação. Brinquedos mais baratos que o valor cobrado pela pesca é o prêmio após o enorme feito de enfiar o arame/anzol no furo peito no peixe. É engraçado que, além dos pais, é claro, as crianças vêem no brinquedo, ou eu vejo, a simbologia da gratificação pelo esforço. Pescado, a graça é encontrada em outra coisa da festa.

No fim-de-semana passado, mais uma vez participando da festa e discutindo com amigos, que todos os anos fazem questão de salientar que a festa não é mais a mesma, revi a barraca de pescaria. Vi a mesma cena há tempos ocorria comigo, o mesmo esforço pela pesca, a satisfação da conquista e no fim de tudo dois pintinhos amarelos como prêmio.

Vejo os bichinhos mortos após uns dois dias, seja em razão do frio, falta de cuidados, fome, sei lá, mas sempre morrem. As crianças choram e depois esquecem.

A alegoria da recompensa se repete ano após ano e por mais que a festa não seja a mesma, sempre há uma criança pescando, satisfazendo-se e depois chorando e esquecendo.

A cada ano mais velho e mais criança por receber meu prêmio, sinto que é válido.

Fabiano Rodrigues
Enviado por Fabiano Rodrigues em 18/08/2009
Código do texto: T1760610
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