Amor de infância

Pensou por alguns instantes. Seu corpo permanecia estático, tão longínquos estavam seus pensamentos. Sua alma voava longe sobre vales de pensamentos soltos ao ar, cobertos por uma agonia que tinha por fonte um forte sentimento de impotência perante um mundo tão grande e tão contrário à tudo o que tinha aprendido sobre qualquer idéia de justo.

Devemos ser felizes. Ser infeliz uma vida inteira, também não parecia ser uma idéia muito coerente. Às vezes é realmente necessário fechar os olhos, esgueirando nossos olhares a fim de fingir estar tudo bem. Ora, só temos esta vida, e de que adianta viver se não for pra ser feliz, cantar, sonhar, viver, ao menos em pensamento, um mundo melhor, mais justo e menos sofrido. Viver para ser triste é que não mesmo. Ser feliz é um bom motivo pra viver. Esperar que um dia tudo melhore pra todo mundo. Esperar como todo mundo, todo poeta. E sonhar?! Cantar...

Assim era Zequinha, um questionador nato das injustiças sociais, um poeta, se ele soubesse o que poderia vir a ser isso. Quase sempre se perdia em suas conjecturas, por vezes uma lágrima corria em seus olhos. Voltava à realidade, assustado, sempre com algum grito de sua mãe, normalmente chamando para a janta. Não, não se tratava de algum garoto, Zequinha, longe de ser menino, já vivera suas trinta e duas primaveras, muito bem vividas. Ainda morava com sua mãe. Não que ele tivesse algum problema com mulheres, longe de Zequinha, este era, de fato, um herói romântico, destes raros. Zeca era um respeitador, um nobre, sabia mesmo conduzir uma mulher pra onde quisesse, com a sutileza de um romântico à exaustão. Conhecia os misteriosos segredos da alma feminina, essa era a verdade.

Seu problema, este sim lhe incomodava, era com seus próprios sentimentos, desde jovem percebeu o que agradava as mulheres, no trem da vida, sentou-se ao lado das mais diferentes passageiras com quem aprendeu muito, sempre.

Sabia sair das relações como ninguém e tinha um leque de amigos, dos quais grande parte era composto por ex-amantes. Pois bem, de todas as que conheceu, só conseguiu apaixonar-se por uma, desde pequeno. Era uma paixão de infância, quase insubstituível, talvez por isso não conseguisse casar com ninguém. Não conseguia encontrar a mulher ideal, ou, ao menos, uma que substituísse o seu amor por Adelaide.

Esta sim era mulher de verdade, completa. Sabia seus pratos favoritos! Sabia realmente, como lhe agradar e não só o havia conquistado pela barriga. Já na infância Zequinha encontrou em seus olhos a mais pura forma do verdadeiro amor. Quando menino se encantou com a pequena Adelaide, a tinha como uma namorada e a tratava como se fosse. Tinha por ela grande ciúmes, todos percebiam sua paixão, mas ele nunca confessaria. Que menino apaixonado no mundo tem coragem de confessar seu amor.

Através dos seu gestos ele já entregava o jogo. Namorou muitas garotas, como já disse, e nunca foi um problema para ele amar uma e gostar de outras, na verdade conseguia gostar com muita sinceridade de muitas ao mesmo tempo. Não pense, porém que Zequinha era um cafajeste, destes que enrolam as mocinhas e mentem pra todo mundo. Nunca! Zequinha era o contrário. Tinha seu amor, bem é verdade, mas era algo inatingível, sim, os românticos amam assim. Só conseguem amar o que não conseguem ou não podem atingir, intocáveis sobre o pedestal que os românticos a colocam, suas divas, nunca revelam suas imperfeições. Sendo assim, ele amaria sempre, sem nunca se decepcionar com a única mulher perfeita, sem um único defeito, idealizada. Se for pra amar, por que não amar alguém assim?

As primaveras se passaram e, por conta de tal amor, Zeca nunca se casou. Quem no mundo conseguiria competir com Adelaide? Ela era simplesmente perfeita. Seu sorriso, seus olhos seus traços desenhados com perfeição invejosa, sem dúvidas ela era realmente muito bonita, cobiçada por todos. Adelaide era um encanto, um anjo, seu perfume transmutava qualquer sentimento ruim em energias positivas. Onde chegava uma sensação de leveza e bem estar se instalava.

O tempo passou, Zeca bem que gostaria de se casar. Mas com quem? Não dividiria sua vida com qualquer uma e não existiam outras Adelaides por aí. Porque ele não se casou com Adelaide e deixou de besteira?! Não pense você que Zequinha venha a ser um cara complicado, por favor. Talvez eu é que não tenha sido muito claro, pois bem, ele jamais poderia se casar com Adelaide. Tal fato será esclarecido ao longo da história, e no final tudo será compreensível.

Por agora adianto que ele não podia escolher seu destino, traçá-lo ou comandá-lo. Não cabia a ele, pessoa comum, tão pequena perante o cosmos e os Deuses decidir agora o que queria da sua vida. Seria muita prepotência de sua parte, e uma coisa que Zequinha não era, era ser prepotente, ou arrogante. Ele era sim, um arroubo de simplicidade, humildade e compreensão. Também não se trata aqui de uma tragédia épica grega, desesperada, ou qualquer tipo de tragédia que seja, onde os sofreres são incontrolados. Os Deuses, por pura diversão ou vingança, desenham destinos cruéis, quase insuportáveis, levando seus protagonistas à beira da insanidade, revelando questionamentos íntimos à alma humana, que não pertencem à época ou região, mas tão somente à alma humana, dilemas atemporais, temas sempre contemporâneos por tratarem do ser humano sua face imutável, diferentes em aspectos culturais e históricos relevantes, mas eternos e iguais quando os fatores são referentes a aspectos íntimos da alma humana, como ciúmes, amor, inveja, entre outros sentimentos. Em qualquer época ou região, tornam-se os homens, iguais, sejam ricos ou pobres, doentes, velhos ou moças, quando se trata de sofrimentos profundos da espírito humano. Não é deste caso em que retrato Zequinha.

É certo que ele lá tinha suas complicações, sofria é verdade, pensava as vezes que morreria, que seu coração iria parar de bater a qualquer instante, por causa de algum amor. Suas maiores complicações, na verdade se tratavam de contas bancárias, contas pra pagar, contas e mais contas, apenas mais um pobre brasileiro. Nada demais. Também sabia sempre resolver seus problemas, fora criado em um bom lar.

Numa noite tinha marcado um encontro com Dolores, uma incrível mulher, todos torciam para que dessa vez desse certo. Todos os amigos já haviam se casado, e logo Zequinha o mais querido, haveria de se casar também, todos torciam pelo feito.

Logo que conheceram Dolores os amigos apressaram em logo explicar a situação à moça. Era uma excelente mulher. Seria ela a pessoa ideal, quem convenceria Zeca a construir sua própria família? Ele sempre sonhara em ter filhos, comentava com freqüência que gostaria de ter crianças correndo pela casa pendurando em suas roupas gritando por colo. Sonhava em limpar melecas de filho, ria sempre que fazia essa afirmação aos colegas.

Dolores já sabendo do problema do Zeca, sobre sua indecisão de se casar, havia preparado sua estratégia, sabia do trabalho que daria para amarrar aquele ali, mas tinha confiança que no fim conseguiria. Existiam muitos homens na praça, cada um com sua simpatia, com certeza dariam muito menos trabalho, mas Zeca era um partidão, não porque conhecia peças de teatro, os principais quadros das correntes artísticas européias, não conhecia tampouco muitos poemas, talvez os que ele mesmo havia escrito, o que não eram muitos. Muito bonito, tinha um tipo atlético, vaidoso, sabia se vestir. Tinha lá seu olhar misterioso e um tipo de charme que ninguém podia entender, e com certeza, não podiam negar. Era um homem sensual, uma notável sabedoria adquirida através de sua vida e possuía um notável senso crítico sobre a realidade, um olhar artístico que mirava sobre o mundo a sua volta, como disse, um poeta. Nenhuma dessas eram as características, porém, que mais impressionavam as candidatas de Zeca. Por incrível que pareça o que o tornava um partidão mesmo era o fato de ser tão complicado, muito mais que qualquer um. Isso causava um furor, era um grande desafio que atraia as mulheres. Quem conseguiria dobrar o Zeca. Dolores queria provar, que ela conseguiria.

Pois bem, que uma noite Zequinha foi à casa de Dolores. Foi uma noite realmente muito agradável. Dolores conseguia cozinhar tão bem quanto Adelaide, era muito carinhosa, Zequinha sempre se derretia com um bom carinho na nuca. Ela era simpática, tinha olhos lindos, um perfume quase tão agradável ao do seu grande amor. Por momentos ele conseguiu esquecer Adelaide, se sentiu seguro confortável, feliz, como nunca havia se sentido na vida.

Dolores nunca o pressionou a nada. Deixou as coisas fluírem, e o sentimento entre os dois crescia cada vez mais. A cada dia encontravam mais coisas em comum, Zequinha aprendeu muito com Dolores, ela conhecia muito sobre a vida, sobre a arte e filosofia. Zeca sentiu seus horizontes se ampliando, começava a enxergar o mundo com outros olhos. Um novo mundo aparecia sobre suas vistas, começava a racionalizar muitas de suas primitivas aflições. Leu obras de importantes autores sociólogos, filósofos e pintores. Nunca esteve tão feliz, começou a freqüentar exposições de arte, estava nas nuvens.

Zeca foi morar com Dolores. Todos fizeram uma grande festa. Finalmente alguém conseguiu amarrar Zeca. Todos brincavam, “já estava na hora em Zequinha!”, “depois dos trinta o negócio fica perigoso hein?”, “ dá-lhe Zeca se fudeu”, e todos riam. Depois de tanto tempo, ele estava indo construir sua família, foram dias de festas, todos na rua estavam contentes, amigos, que não via há tempos, ligaram para o Zeca para parabenizá-lo. Só ele é que não entendia muito bem o porque de tudo aquilo, afinal, ele só ia morar com Dolores, o que havia demais naquilo?! Pois bem, também não se importava, adorava festas afinal. Dolores se sentia uma vitoriosa.

Moraram uns dois meses juntos. Dolores recebia quase todo dia amigas para parabenizar seu feito. Ela agora era comentada por todas, muitas sentiam inveja, outras admiração, Dolores era agora quase uma estrela e curtia seu estrelato de direito. Não é todo dia que alguém se torna tão popular não é?! Zequinha se incomodava um pouco com tanto barulho e com o passar do tempo se sentia cada vez mais incomodado. Não queria nada daquilo pra sua vida, e Dolores já não era a garota que ele havia conhecido. Muitas coisas haviam mudado naquele relacionamento. Não era pra Zequinha, ele não havia nascido para aquilo, sentia saudades de casa. Cansou-se e voltou pra casa. Dolores chorou muito, desculpou-se, pediu que ele entendesse o que havia ocorrido e que ela havia exagerado, prometeu até mudar, acreditam?! Disse com todas as palavras, “se você ficar eu mudo por você, não vai se arrepender”. Zequinha ficou ainda mais assustado. Mudar?! Já não conhecia aquela Dolores, quem dirá uma outra ainda. Podia ser pior que aquela, também podia ser melhor é claro. Mas quem garante que ela não se tornaria uma psicopata?! E do jeito que as coisas iam indo ela, com certeza, se mudasse mais alguma coisa, ia se tornar algo muito pior. Não conseguia nem imaginar.

O cansaço, a decepção e agora o medo, fizeram com que Zeca voltasse pra casa, abrindo mão de tudo que havia atingido. Alcançou o céu, é certo, mas já hora de voltar pra casa, gostava das suas coisas em seu devido lugar. Foi uma tristeza só. No início até boatos tenebrosos correram pela cidade. Seria Dolores na verdade uma bruxa, que havia, sim enfeitiçado Zeca que com muita coragem fugiu do seu castelo, Dolores era muito feia, só podia ser mesmo uma bruxa. Coitada de Dolores, mas ela era bonita, logo superou o ocorrido e casou-se. Houve até quem dissesse que Zeca batesse em Dolores e ela é quem o expulsara de casa, mas essa não colou. Zequinha batendo em alguém, em uma mulher ainda. Nunca.

Em poucos dias e todos já haviam esquecido o fato, Zeca estava em casa novamente, havia aprendido muito com sua ultima relação, era realmente um homem diferente e devia isso à Dolores. Um homem melhor, continuava muito querido pelos amigos e retornava a seu posto de solteiro convicto. Tudo voltava ao normal.

Todos se perguntavam, “quando será que Zequinha vai construir sua própria família?”. Certamente seria um ótimo pai. O assédio por Zeca aumentou ainda mais, ele se tornara um desafio ainda maior e agora era uma pessoa mais interessante, conhecia o Mozart, Da Vinci, o como é que se fala, Sheiksper, não é... Sheakspeare, eu acho... Freud, Marx, e alguns outros os quais não citou porque não conseguiu decorar tantos nomes difíceis em tão pouco tempo. Mas o que o deixava mais feliz é que agora estava perto do seu grande amor novamente. Poderia vê-la todos os dias, sentir seu perfume, admirar sua beleza e certifica-se de que seu pai ainda a tratava como merecia.

Porque Adelaide, com quem ele não podia se casar porque ela já era casada, casada justamente com seu pai. O homem perfeito para ela, claro, porque, ao contrário de Zequinha, seu pai Afonso era um homem prático. Vivia para o trabalho e pôde dar à Adelaide uma vida tranqüila, equilibrada, tanto financeiramente como emocionalmente. Afonso era uma pessoa sensata, carinhosa, nunca faltara uma vez com respeito à sua esposa, um homem com muitos amigos também, seguro, não tinha ciúmes, um verdadeiro cavalheiro. Perfeito para Adelaide.

Sim, mas se ele gostava tanto de Adelaide, porque deixou seu pai casar-se com ela?! Como pôde passar por cima dos seus próprio sentimentos e permitir tal acontecimento?! Se ele a amava tanto, deveria ele se casar com ela, enfrentando o mundo, tudo e a todos, não é justo, ficar sofrendo agora para o resto de sua vida, vendo a mulher que ele ama casada, e com, nada mais, nada menos que seu pai?!

Calma.

Pedirei que se acalme um momento, para que não vá ter um ataque de nervos, ou um ataque cardíaco lendo estas páginas. Não é esta a intenção desta leitura. Minha intenção é acalmar-lhes, dar-lhes bons momentos de prazer e divertimento, ou você acha o que?! Nem tudo na vida é como queremos, bom se fosse, mas não é. Pensa você que se estivesse no lugar de Zeca, faria diferente. Um final que bem poderia ser ao modo “Nelson Rodrigueano”. Para ser verdade me segurei muito para não tornar este final numa trágica relação entre a jovem amante do pai e um filho obcecado por sua esposa. Talvez ele viesse a não se conter em apenas admirá-la e agora teria de possuí-la. Uma vergonha cresceria em seu peito e perdendo-se em insanidade e paixão. Acaba por tristeza do destino assassinando seu pai, abandona os amigos e passa o resto da sua vida agonizando o inferno de sua culpa e vergonha. Vivendo no medo e desejo, perdidos...

Com certeza Nelson Rodrigues faria coisa melhor, mas muito melhor! Não questiono. Mas essa não é a história de Zequinha e, então, não me importo.

Zeca... o grande Zequinha, amigo de todos, cara sensato, vivo, que às vezes se entristece com as injustiças do mundo, mas preocupa-se muito em ser feliz. Aliás ser feliz é seu objetivo, a razão que encontrou para ser viver nesse mundo louco e confuso, opinião a qual acredito ser muito sensata e partilho com o grande Zeca. Este nunca nega ajuda a ninguém. Não tenta mudar o mundo, mas ajuda como pode quem está a sua volta. Esse é o Zequinha.

Um cara que tem tudo, é honesto, sincero e trabalhador, aliás não comentei no que ele trabalha, é uma longa história... Não conseguiu se casar, talvez morra solteiro e não se importa muito com isso agora. Por enquanto, se conforma em estar perto daquela que ama, esposa do seu pai e sua mãe.

Ainda não conheci até hoje alguém pra gostar tanto da mãe como Zequinha, felizarda é Adelaide, com seus 1,57 de altura, e aos seus setenta e oito anos ainda tem alguém que lhe ama tanto e lhe desprende todos os cuidados que só um filho apaixonado é capaz, e Afonso, que possui um admirador e tanto e um amigo pra todas as horas.

No fundo todos ficaram felizes com a volta de Zeca. Ninguém estava mesmo a fim de perder o grande Zeca, e depois todos ficaram de acordo que a Dolores não era realmente a mulher ideal para ele. Mesmo assim todos torcem para que um dia Zeca encontre a esposa certa, quem sabe... O que é muito difícil porque como competir com Adelaide uma senhora tão simpática, cozinheira de mãos cheias, mulher que ele amou a vida inteira...

Gregório Borges

Gregório Borges
Enviado por Gregório Borges em 17/08/2009
Reeditado em 19/09/2009
Código do texto: T1758914
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