MALDITA INQUIETUDE
 
Quem será essa doida, aspirante a cronista, que chegou ontem e já se atreve a escrever sobre um tema tão polêmico e, ao mesmo tempo, tão desgastado como  o racismo?
 
Sou uma brasileira comum, normalzinha, pobre, guerreira, aprendiz de tudo. Hoje aprendo a escrever crônicas e desejo ser sempre aprendiz na vida. Acredito que quando pensamos que sabemos tudo, certamente não sabemos nada.
 
Tenho péssimos hábitos, sou curiosa, crítica, até petulante às vezes.
Por mais que tente me comportar, não consigo deixar de observar as pessoas, os fatos, a vida. E ainda tenho a insensatez de querer entender tudo.
Não sou racista, aliás, acho que hoje ninguém é. E isto é muito bom, até dá um certo ar de dignidade e de generosa intelectualidade. E talvez assegure uma nuvem branquinha e fofa no céu.
Acho que racismo é coisa do passado, mas esta maldita inquietude nunca me deixa ter certeza de nada. Pois bem, apreciem...
 
Tenho uma faxineira maravilhosa, negra, bem negrinha, uma daquelas Tia Benta que todo mundo gostaria de ter por perto. Ela sempre foi muito bem vinda, tanto pelos bons serviços que presta, como por ser uma agradável companhia, alegre, divertida, prestativa.
Como a maioria dos brasileiros, ela necessitava trabalhar mais e pediu-me indicações. Recomendei-a a uma amiga, também negra. Não comentei com nenhuma das duas sobre a raça da outra, nunca imaginei que isto tivesse importância.
Resumindo, encontraram-se para acertar o serviço e minha amiga contou-me que estava satisfeita por ela ser negra. Disse-me que ficaria constrangida se tivesse que dar ordens a uma empregada branca.
Pensei no quanto são poderosas as marcas de um passado escravo, mas não me detive muito, afinal ela estava satisfeita. Satisfação passageira...
A Tia Benta nunca apareceu na casa dela, mas continua indo na minha, patroa branquinha, mas não muito.
Naturalmente, curiosa e inquieta como sou, procurei saber o motivo. Era melhor nunca ter perguntado, pode ser que desta vez eu aprenda a não meter o nariz onde não sou chamada.
 
Minha adorável e eficiente colaboradora brindou-me com o tema desta crônica, que eu, com medo de perder a fofa nuvem branca no céu, preferia não escrever.
 
- Sinto muito, doutora, não trabalho para negros!
 
Putz, ainda bem que ela não percebeu que não sou tão branquinha assim... E tem mais, nunca fui doutora coisa nenhuma, mas jamais consegui convencê-la disso. Ainda me chama assim. No entanto, meu filho está definitivamente proibido de chamá-la carinhosamente de "vó".
 E não pensem que fui eu que baixei o decreto, não!
Foi ela mesma.
 
- Imagina esse mininu, quage doutor advogado, chamando uma nega véia de vó! Nunca vi uma barbaridade dessas - diz ela.
 
E eu concordo: eu também não!
Óbvio que ela não entendeu o sentido dessa exclamação.
Racismo? Ah! Maldita inquietude...
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Ago-09

Tânia Alvariz
Enviado por Tânia Alvariz em 17/08/2009
Reeditado em 13/03/2010
Código do texto: T1758604
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