As Pipas
Era tão belo observar elas voando. Pareciam livres. E suas cores? Deus, suas cores lhe chamavam tanta atenção. Inebriavam...
Quando suspensas no ar, roubavam-lhe a visão, às vezes por segundos, minutos inteiros... Contudo pertenciam a outros. Não era a dele.
De súbito olhava a sua. Estava inerte. Tão sem vida, sem graça, cheia de... Sei lá: morta ao chão. Não conhecia o que era ser livre, o que era sentir o vento lhe empurrar aos céus, ganhar o azul.
A linha estava sempre embaraçada, perdida num emaranhado de nós e complicações. Parecia que quanto mais se tentava, mais enrolado, complicado, mais difícil ficava esticá-la em ligação aquele corpo inerte ao chão. E mais longe o céu ficava...
Os outros pareciam saber bem como dá vida às suas, como conduzi-las ao céu. O engraçado era que nenhum deles tinha um plano de vôo, ou sabia as medidas corretas das suas, mas isso não lhes impedia de controlá-las. E bem!
A vida também era assim. Havia um plano, havia a sapiência inerente do planejamento, havia um quê de razão a mais.
Contudo carecia bem mais do descompromisso. Carecia da ausência do plano de vôo, da sapiência para entender que a liberdade desejada significava correr riscos, enfrentar um vento forte ou ter a chuva como obstáculo. Talvez nem isso. Às vezes a chuva era mais uma das inúmeras formas de voar: bastava fechar os olhos, abrir os braços e correr sem direção, sentindo os pingos percorrerem o rosto, a boca, descerem pelo corpo e tocarem o chão – de volta a mãe Terra!
Hoje, no entanto, sua pipa já alça vôos cada vez mais distantes do solo. Não, ele não suas medidas exatas, nem tampouco deseja sabê-las. Desfez-se dos planos de vôos e das tentativas de prever o tempo.
E agora as linhas, quando se embaraçam, logo são cortadas a fim de eliminar nós: se um nó diminuirá a distância do vôo em relação ao solo, então melhor voar sem sentir o incômodo destes roçando os dedos.