PALAVRAS AO FOGO
Pode ser sintoma da paixão, mas não é romântico receber cartas em tempos de e-mail?
A correspondência chegou ontem. Confesso que não abri afoita. Prolonguei meu prazer, como uma criança que deseja impedir, a qualquer custo, o término da brincadeira, imaginando assim adiar, ao máximo, o ponto final do contentamento.
Posso imaginar o que está pensando agora. Eu sei. Continuo com medo dos pontos finais. E a gula na alma persiste...
De volta às minhas queridas reticências... Perdi a noção das horas admirando o envelope carimbado com selos belgas. Não sei quantas vezes as ponta dos dedos deslizaram sobre meu nome escrito ali.
Seduzida, observo a caligrafia. Gosto do contorno das letras maiúsculas.
Na verdade, acho que te amo também por isso: pelo jeito arisco e, ao mesmo tempo, natural da tua letra ocupar o papel.
E contemplo o que gostaria de ser.
Algo interrompe o mergulho amoroso em pensamento. É o som do fogo crepitando na lareira diante de mim.
Não te contei, mais tarde, ao telefone. Ontem estava frio. Tua ausência aumenta a sensação térmica no meu corpo.
Um arrepio antecede a abertura do envelope. Enfim, leio tuas palavras.
P.S.: Na lareira, o pedaço de madeira incandescente lembra minha saudade...
(*) Imagem: Google
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