E Ela, Quem Será?


Caminhava sozinha à saída do cemitério, após acompanhar o enterro do pai de um colega. O sol ainda ia alto no céu, escaldante, e eu andava absorta e constrita, como é comum nessas ocasiões.
Fui arrancada de meus pensamento por um lamúrio angustiado. Levantei os olhos e deparei-me com uma mulher de uns trinta e poucos anos, amparada por dois rapazes e uma moça que tentavam em vão acalmá-la, enquanto ela chamava pelo filho, morto.
Fiz umas contas rápidas e imaginei que era jovem o rebento tão desesperadamente pranteado. Doeu-me fundo, como assaz doer fundo esta nossa incompreensão dos desígnios de Deus: por que tirar a vida a uma criança, um rapazote?
Lembrei-me do sempre excelente Chico Buarque, cantando Angélica:
"Quem é essa mulher
Que canta sempre esse estribilho?
Só queria embalar meu filho
Que mora na escuridão do mar
Quem é essa mulher
Que canta sempre esse lamento?
Só queria lembrar o tormento
Que fez o meu filho suspirar
Quem é essa mulher
Que canta sempre o mesmo arranjo?
Só queria agasalhar meu anjo
E deixar seu corpo descansar
Quem é essa mulher
Que canta como dobra um sino?
Queria cantar por meu menino
Que ele já não pode mais cantar"
O que teria ceifado tão precocemente aquela jovem vida? Uma vida que não era vã, que deixava em total miséria emocional aquela Angélica. Aquela mulher sofrida e angustiada, a repetir em ladainha, com menos poesia e rima, mas com muito mais sentimento, os versos de Chico.
Segui meu caminho com o peito um pouco mais apertado. Não preciso ser eu mesma genitora de ninguém, para saber que não deve haver dor maior do que a de uma mãe que sobrevive à sua cria. Pedi a Deus que lhe desse forças para suportar essa separação. Acompanhei o pequeno grupo com o olhar até que ele desapareceu numa das capelas.
Pensei no morto, no garoto morto. Quem era ele? Como era? O que lhe reservaria o futuro?
E ela, agora, depois de tanta dor, quem será?


*****
Agradeço à amiga Zélia Freire pela sugestão de tema.

Imagem daqui.