YOGA PELA PAZ 2009

Ato I: Calor

Estamos no Yoga pela Paz 2009. O sol aquece muito mais do que a gente gostaria que queimasse a pele e a moleira; no palco, uma moça de voz suave conduz uma meditação, penso em ir pra a sombra, não vou não; fecho os olhos, faço um terço da posição de lótus, cheiro um tanto de incenso que vem do lado e somos todos embalados numa visualização de amor e união pela humanidade.

O Yoga pela Paz é um evento anual que leva a prática e o conhecimento associado ao Yoga, à Ayurveda e às culturas orientais a milhares de pessoas. A proposta é uma meditação coletiva pela paz mundial, num evento muito importante, que ocorre desde 1993 pelo mundo; aqui no Brasil, participo desde 2005; sempre que possível, junto com meus amigos da Lista Voadores.

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Ato II: Passione

O Parque do Ibirapuera não é Woodstock, mas é so amor e harmonia, minha esposa e eu, e milhares de pessoas sendo conduzidos por uma voz suave e calma que nos convida a meditação:

“ Respirem fundo, entrem em comunhão com a Terra. Lembrem-se que cada decisão que tomamos é uma escolha entre o sofrimento e o milagre...”

Opto pelo milagre e sou um com a Terra e com todos os seus elementos. Absorvo o sopro cósmico; faço meu pranayma; ajusto meus chacras e logo estou sentindo minha aura pulsando e se expandindo, juntando-se com a energia coletiva; sinto como se fossemos um único corpo, uma única alma, em total expansão da consciência. Posso ouvir o som de mil anjos tocando harpa e cantando:

“Tô ficando atoladinha! Tô ficando atoladinha...”

Será que havia alguém fazendo sexo no parque? Não! Era o som de um celular tocando um funk, não o meu; o da moça do lado:

- Oi! E ai? Tudo bom? Estou aqui numa meditação no parque,pode falar...

A meditação acabou pra mim, mas para quem não estava perto, continuou com o som do Mahabanda; uma banda que não tinha muita coisa de “maha”, mas alguns mantras, bhajans, Lázaro e Camilla, e muita microfonia depois; matamos a nossa sede com as garrafinhas d’água Crystal, patrocinadora oficial do Yoga pela Paz 2009.

Entra Carlinhos Brown vestido de guru indiano:

" Bebeu água? Tá com sede?

Água...água...água...água...água é crystal; água é crystal, água é crystaaalll para o yoga ficar legal!!!"

Propaganda à parte, descobrimos o ato secreto yogano e o que fizeram com o dinheiro que pagaria a vinda do Krishna Das. Revoltado, quis gritar: “tragam o Krishna, o pessoal que traga água de casa!”, mas todos estavam ansiosos esperando o show da banda americana Shaman's Dream começar; e eu decidi esperar para ver. Eles deveriam ser bons, depois de quatro anos com o super star da yoga sempre fechando os eventos, não trariam uma bandinha de chill out eletrônico para nos conduzir ao samadhi musical.

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Ato III: Profundo

Como seria o show final pela paz?

Curioso, perguntei pro Lázaro ao meu lado se ele sabia alguma coisa sobre essa banda, mas ele não me deu muita atenção, pois estava totalmente em comunhão celestial com um pote de marmite que havia ganhado e tirando fotos do pote com o seu iPhone. Ansioso em saber mais sobre a atração musical e sabendo que o Láz provavelmente tinha lido sobre o grupo; parti para a ignorância e para chamar a sua atenção, lhe tomei o seu iPhone, dizendo que só devolveria se ele me contasse o que sabia sobre aquela banda:

- It´s mine! It´s mine! - ele disse alucinado, olhos brilhantes, com certeza, precisa de um terapeuta; alguém conhece algum que tenha Twitter? - Cuidado! Cuidado! - Ele repetia sem parar, com os olhos fixos no seu precioso aparelho.

- Fale sobre esse tal Shaman´s Dream. É melhor adiantar alguma coisa, senão, adeus iPhone!!! - ameaço, sou o Jack Bauer da Paraíba.

- Ok! Ok! – ele concordou passar a informação – Eles parecem fazer um som interessante, isso é tudo o que eu posso dizer – concluiu e pegou o iPhone da minha mão, se afastando, enquanto sussurrava: “my precious! My precious!”.

Hum...o Lázaro disse que eles são interessantes; isso não parece bom.

Continuamos conversando, batendo papo, rindo; Camilla me falando de sonhos, minha esposa Auri se preparando para o show da tal banda; Lázaro com a marmite e o iPhone; e enquanto isso, em algum lugar no lado das sombras, Fernando Golfar e Adriana Splendore, assistiam a uma caravana de peregrinos a caminho do Himalaia passarem na frente deles: gurus sendo entrevistados pelos repórteres sérios do Pânico na TV; vendedores de espetinho de tufu; palestrantes da medicina ayurvédica distribuindo panfletos condenando os carnívoros de plantão; cachorrinhos fazendo asanas, crianças cantando Hare, Hare Krishna. Era mais um Yoga da Paz e desconfiamos que havia outros voadores por lá, mas acabamos nos desencontrando; não dava para procurá-los mais, no palco, com a gente, a banda Shaman's Dream!

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Ato IV: Loucura

Aplausos!!! Clap! Clap! Clap! Alguém pode pedir pro DJ para parar de tocar? Afinal, a banda já está no palco e vai começar a apresentação. Contudo, o DJ continuou a tocar e uma moça possivelmente em transe após muita respiração de prana branco, começa a dançar sem parar; com uma animação meio axé demais para um evento de yoga; ela parece animada, a gente não.

- We are from Los Angeles - ela grita e eu traduzo: "Somos de Los Angeles, seus índios". E ela segue repetindo de onde eles são, a cada dois putz putz. Onde estão os Hare Krishnas do Paraíso mesmo?

Um cara toca tambor, não consigo ouvir, o DJ está com todo o poder do som. Olho pros lados, o sujeito que estava com o incenso na mão dança freneticamente, a outra dona que estava com pernas pro ar, entra em profundo êxtase musical pulando a cada putz, putz, putz. Olho pra Auri que olha pra Camilla que olha pro Lázaro, que me dá um mea culpa: “no site parecia mais interessante”, ele diz; algumas pessoas se levantam e vão embora, outras entram no clima da “Rave da Paz”.

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Ato V: Fuerte

Enquanto todas as yogues se retorciam nas mais variadas poses da prática do som eletrônico; lembrei da meditação e diante da opção entre o sofrimento e o milagre, olhei pras meninas e para o Lázaro e perguntei:

- E se encontrássemos um bom restaurante vegetariano?

- Que tal aquele da Paulista? – pergunta Lázaro

- Parece interessante! – respondo – Quem sabe a gente não encontra o Bene por lá contando a piada do circo de pulga para os outros voadores em seus duplos.