INDELÉVEIS MOMENTOS DE INDIGESTÃO

Minha última crônica foi uma advertência a todos os tipos de críticas e aos indevidos criticadores. A intenção era deixar claro que é através da convivência que as regras de bom senso vão se estabelecendo e, neste caso, uma boa dose de autocrítica é recomendável aos inconvenientes donos da verdade.

Naturalmente os comentários foram surgindo abaixo do texto e, como sempre acontece, ao lê-los vou me inspirando mais e mais sobre o assunto. Até que uma colega talentosíssima deste Recanto tocou numa ferida que - em mim - continua exposta. “Os enófilos e suas intermináveis lições sobre o vinho”.

Ser vizinho do Rio Grande do Sul significa morar ao lado do estado que produz mais de 90% do vinho de todo o país. Ou seja, como em qualquer vizinhança que se estabeleça - em qualquer lugar do planeta - há sempre uma troca de costumes e conhecimentos. Vê-se o chimarrão sendo apreciado tanto lá quanto aqui, independentemente do sotaque, tchê!

Muito bem. São uvas pra lá, vinho pra cá... Esta proximidade facilita as visitas aos vinhedos, vinícolas, e aos cursinhos relâmpagos. O cara volta sentindo-se um expert no assunto. Ansioso para sentar a mesa (com a maior platéia possível) e “destilar” o novo status de connaisseur de vinhos.

Haja paciência! Da última experiência que tive com um "suposto" enólogo, ficou registrado em minha memória o tempo que perdi - entre uma garfada e outra do saboroso peixe - executando todo o meu vocabulário:... Sim... Aham... É... Hum... Além de não ter me deixado comer, o cara que ficou o tempo todo falando sobre os tipos de uva, os nomes das uvas, os sabores das uvas, as cores das uvas, não me deu uma única chance de proferir uma frase completa. E o pior foi que, justamente naquele dia eu estava tomando apenas uma incolor água tônica!

Outro inapagável momento destes se deu numa noite em que saí para jantar com uma amiga e um casal amigo dela. Como fazia calor - e nós duas completamente leigas - resolvemos pedir vinho branco para beber. Sem conjecturar que estaríamos cometendo alguma gafe. Até o marido da amiga da minha amiga bradar em alto e bom som:

- VOCÊS PEDIRAM VINHO BRANCO?

Nós duas em coro:

- Hum-hum.

- Mas, estão comendo carne vermelha!

Desta vez respondemos com o olhar: “E qual é o problema?”.

O infeliz sommelier resolveu traduzir para nós um manual inteiro de etiqueta de vinho. Que cor se toma com carnes vermelhas, com as brancas e patati patatá... Enfim, o clima do jantar azedou de tanto blá blá blá, e da sua indignação indisfarçada por termos insistido na bebida de cor branca acompanhando a carne vermelha. Ora, se fosse tão cafona, que a tirassem do cardápio! Que fique bem claro que a azia sentida naquela noite não foi culpa do vinho.

Admito que possa estar aqui me referindo à exceção e não à regra. Mas infelizmente, se tenho casos inesquecíveis a serem contados é porque mais de uma vez a exceção sentou-se a mesa comigo. E quando a exceção muito acontece, acaba virando regra.

Caríssimos enólogos, enófilos, sommeliers ou connaisseurs, conhecimento é sempre bem-vindo, no momento apropriado e na dose certa. Então, aproveito o ensejo para ensiná-los que, quem é leigo não quer saber de ficar girando taça e muito menos ficar enfiando o nariz dentro dela. A única coisa que ele deseja é degustar um momento prazeroso com um vinho da cor e do jeito que bem entender. De preferência sem nenhum “enochato” por perto.

Léia Batista
Enviado por Léia Batista em 16/08/2009
Reeditado em 16/08/2009
Código do texto: T1757682