A fome
15-08-2009
Se passarmos rápidos, o translato das paisagens pode não ter significado; mas – ouçam-me – é na lentidão de movimentos que é possível vê-lo, só aí. A vagar, parei em um beco; encontrava-me, pois, em Itapuã. Era um cair de tarde singelo, ébrio, sem efeitos adicionais nenhuns. Dirigi-me, como que movido pela fome, a um boteco; lá resolvi comer um salgado. Foi nesse pausado momento, entre o tom bucólico do mar e a aspereza de faces desconhecidas, que vi dois garotos cruzarem a porta de entrada do local. Em colóquio, pediram a um senhor que lhes desse comida. Seria, essa situação, demasiado simples; invisível. É com supedâneo na imaginação que eu desminto fatos “postulados”. Seus olhares – é, os dos meninos – eram sofregamente paralisados, como se o universo lhes tivesse pedido luz. E, ainda na seara da imaginação, cogitei: É possível que ali a concentração tenha chegado ao absurdo, pois não se pensa noutra coisa, a não ser na fome. O senhor que, percebi, espargia um olhar débil, pareceu não padecer da situação. Minha percepção enganou-se. Tirou uma nota da carteira; comprou dois salgados; deu-lhos ao meninos. A gratidão pode ser uma conclusão a ser abstraída da conduta do nobre senhor; entretanto, os meninos, sem nada demonstrar, saíram pela mesma porta que suso entraram, calados. O senhor, quieto, sorriu.