O dia em que a Terra parou
Comecei a escrever no Recanto porque minha amiga Leila Marinho Lage me estimulou a escrever por causa da minha solidão aqui na Suécia. Nunca comentei com ela, mas eu já escrevia antes, mais ou menos como um diário em meu PC.
Há alguns meses meu filho me mandou via email os meus documentos, já que meu notbook ficou com ele.
Hoje resolvi abrir e ler e encontrei algumas coisas.
Eu não datei, comecei a fazer isso porque Leila me ensinou. Mas eu calculo que foi mais ou menos em 2005, deve ter sido no início do ano, porque só vou em dentista em janeiro que poderá no máximo ter se estendido até fevereiro, porque os tratamentos dele são demorados.
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Na minha adolescência fui surpreendida com a música de Raul Seixas: O dia em que a Terra parou. Fiquei vários dias pensando como seria essa parada caso ela realmente acontecesse. Penso Que. Seria um momento ímpar.
Ontem saí de casa. Destino: dentista. Houve um atraso no atendimento por causa de um erro de suas secretárias, esperei até ser atendida. Enquanto aguardava a música não me saia da memória, eu estava ali parada. Poderia estar o mundo todo também parado em solidariedade a mim. O dentista, muito preocupado comigo mandava sua secretária a todo instante vir ver se eu estava bem e dizer que logo me atenderia.
Ao entrar em sua sala ele me falou de sua decepção com relação em não encontrar pessoas sérias para trabalhar.
Em seu consultório não exige muito, só atenção para horários de pacientes, com qual protético está o serviço e de que cliente. Mas nem assim ele consegue, tem que estar antenado a tudo.
Culpara a geração.
Eu vou além: até pode ser uma fornada de pessoas que estão pagando por responsabilidades de uma geração oprimida que libera tudo.
Sou desta geração a qual fui reprimida por tanta coisa e ainda vinda de uma cidade do interior, aonde a democracia ainda não chegou. Contudo, tive a felicidade de ter bons educadores onde eu pude trazer pra minha história exemplos de responsabilidades, ética e moral. Passando isto aos meus filhos. E isso é coisa que não se vê nos dias atuais, o que conta é a "Lei de Gerson".
Voltando ao dentista. Saí de lá dizendo a ele que não se preocupasse comigo, pois eu não marco nada para o período onde tenho um compromisso. Já é um hábito meu quando tenho dentista, médico ou outra coisa relacionada; tirar a manhã ou a tarde só pra isto, se houver tempo de sobra, eu aproveito para uma visita a quem mora próximo de onde estou ou até mesmo bater pernas no shopping ou centro da cidade.
Durante o dia tive outros aborrecimentos. Meu celular era pós-pago e eu só vivo pagando conta de ligações a cobrar, pedi a transferência de pós para pré eu também ia ter um ‘ pai de santo’, mas a Claro cancelou o meu celular durante uma ligação. Tentei inutilmente fazer nova chamada, eu não tinha mais celular. Tentei camuflar a minha ira com o meu lado ‘zen’.
Para completar o meu dia esqueci a chave de casa no carro que eu deixei com meu filho pra atender uma amiga com problemas no seu PC e vim de ônibus pra casa. Também tinha a responsabilidade de entregar trabalhos de um curso, o meu e de várias amigas.
Enfiei a mão na bolsa e nada. Cadê a chave? Meu carro do outro lado da cidade, e apenas uma hora pra resolver tudo. Como pode? Esta casa é minha e eu não posso entrar nela. Eu nunca roubei, nunca matei e estou prisioneira, desta vez do lado de fora. Tem uma barreira pra eu entrar na minha própria casa.
Olhei para o muro dos vizinhos do lado - altíssimos! O meu também. Resolvi pular o portão, não dei conta, machuquei a perna. Agora a Terra parou pra mim, não posso ir entregar os trabalhos nem meu e nem de ninguém, meu filho teve que deixar de atender a minha amiga.
Com novo destino: Pronto socorro. O mais próximo de casa porque o meu plano de saúde é ‘meia boca’ e eu tenho que avisar quando vou ficar doente.
Chegando ao pronto socorro pensei em passar pelo menos a noite lá, já que dizem que é tanta burocracia e falta de vontade.
Cheguei meio na defensiva, mas ao mesmo tempo brincando e dizendo à recepcionista que teria um curso e que não poderia faltar, ela já me encaminhou direto ao médico. No corredor havia várias pessoas para serem atendidas, umas com um mau humor, outras tentando se fazer de mais doente pra serem atendidas ou se fazerem de vitimas.
O médico me perguntou o que houve eu já respondi chorando e brincando ”eu esqueci que tenho quarenta anos e por isso me aventurei...pulei a cerca.”. Ele riu junto com os enfermeiros e a partir daí fui muito bem atendida entre brincadeiras, sangue e lágrimas. Fui á encaminhada para sutura, vacina antitetânica e teste de benzetacil.
Na minha cama veio de novo está música na cabeça, eu aqui paralisada e fazendo reflexão de um monte de coisas, querendo o resto do mundo paralisado comigo, não pra dividir a dor, mas para uma reflexão: Da seriedade profissional.
Meu dentista me disse: "Será esta geração que vai cuidar de nós?"
Socorro, população eu quero qualidade de vida e esta geração não proporcionará isto. Eu sei disto, sou educadora e estou vendo o caos da educação e que a culpa é somente do educador.
Culpa nossa? Alto lá! Cadê os pais como primeiro educador? Cadê os governantes respeitando os nossos limites, somos educadores e não máquinas de formar cidadãos competentes. Classes com quarenta e cinco alunos.
Que professor dará conta disto? Sem apoio do governo, sem apoio dos pais omissos. Ser pai virou o quê? Chocadeira?
Mais uma do Raul:
Pluct, plact, zum... Onde vocês pensam que vão?
Pra Lua a taxa é alta e Sol a identidade... Hei! Pare! Pense! O que estamos fazendo pra mudar isto?
Com carinho
Gislânia Dornelas.
Ribeirão Preto, algum dia de algum mês do início do no de 2005.