Expoente

Estava lendo O Riso, de Bergson, quando me lembrei da visita que fiz recentemente ao asilo da minha cidade. O que isso tem a ver com o livro? Muita coisa. Basta observar as atitudes e reações das pessoas, muitas vezes tão opostas ao que elas dizem. Ironia da vida ou contradições da alma humana?

Lembrei-me daquele lugar, que deveria ser deprimente e triste, mas que se revelava um exemplo de humanidade. Aquelas pessoas que ali trabalham, mesmo sendo pagas, provam, por meio do trabalho, do amor e da dedicação, que existem situações e circunstâncias que salário nenhum é suficiente para recompensar certos serviços prestados à comunidade e que raramente a própria sociedade se dá conta disso.

Há um verde que alegra tudo ali. Pés de romã carregadinhos. Há olhares curiosos, de gente de pupilas esperançosas. Outros, de sobrancelhas que íam ao chão. E todas essas pessoas com muita história para contar. Transitando entre elas, as outras, as cozinheiras, lavadeiras, faxineiras, enfermeiras, fisioterapeutas. Pessoas com a metade da idade da maioria dos senhorinhos e senhorinhas, mas com um repertório de histórias que agrega as próprias a todas as demais.

E então, olho os noticiários e vejo estampada a ironia, fazendo careta para mim e para todas essas pessoas tão descentes citadas. Gente, sem escrúpulos e sem dignidade, desfilando, com sua arrogância, seu poder, adquirido por meio de mentiras e falsidade; seu dinheiro, obtido por meios em nada honestos ou transparentes.

Enquanto isso, faltam remédios e médicos nos postos. Faltam até mesmo postos e hospitais. Faltam ainda escolas, professores, incentivo à arte, à educação e à cultura, segurança. E sobram pessoas passando fome, sem emprego, sem estudo, sem onde morar, subjugadas por um sistema cronicamente usurpador, corrompido, desonesto e desumano. Sobram incertezas, dor, sofrimento.

Analiso novamente o asilo e sua existência surreal. Percebo que a dignidade e a esperança permanecem em lugares e pessoas assim. Imagino que há vários mundos em um mesmo mundo. Várias humanidades em uma mesma humanidade. Alguns mundos e humanidades não tão bons quanto deveriam ser...