Cultura do Barulho

Não sei se vocês repararam, mas há uma crescente cultura do barulho se desenvolvendo e se alastrando à nossa volta. Ruídos assaltam nossos ouvidos indefesos a todo momento -- trânsito, maquinário pesado, sirenes, helicópteros, crianças na escola, shoppings, restaurantes, bares, salas de espera, igrejas, vendedores de abacaxi, vendedores de políticos, vendedores de pamonha, carros de som, som de carros e -- aaaaarrrrrgh! -- vizinhos --, e a coisa se dá tão sistematicamente, que chega um momento em que você se dá conta de que não consegue mais nem mesmo ouvir seus próprios pensamentos... e que seus dentes estão trincados, sua testa está porejando suor frio, sua respiração está curta e rasa, e o seu humor está se aproximando perigosamente do nível "praticamente psicopata - alerta vermelho".

Até mesmo nas salas de espera de hospitais e clínicas e prontos-socorros, onde se supõe que as pessoas estejam com algum tipo de mal-estar e desconforto e, portanto, precisando de repouso e silêncio, há sempre a onipresente TV se esgoelando por cima do ruído da conversa gritada, por causa da TV, e dos berros agudos das criancinhas.

E desde que decidiram demonizar a boa educação e a cultura erudita, comportamentos e costumes selvagens são vistos com benevolentes e social-justiceiros olhos -- que, míopes, pobrezinhos, confundem liberdade com esculhambação.

Tenho uma pequena teoria para explicar este apreço que determinados grupos "culturais" têm pelas manifestações barulhentas. Os indivíduos criados imersos nestas "culturas", sem desenvolverem os dotes da razão, deixam os neurônios ociosos. Logo, eles atrofiam e deixam de fazer sinapses, causando o efeito popularmente conhecido como cabeça oca ou pobreza de espírito. E fica aquele vazião tão grande e opressivo, que até faz eco com o menor dos pensamentinhos, quando algum assim bem básico, tipo "vou comer" ou "dormir", escapa lá por dentro... Então as pessoas parecem sentir uma necessidade premente de ocupar esse vazio incômodo com decibéis e mais decibéis de ruídos -- e quanto mais, melhor!

Entendam, barulhentos compulsivos e compulsórios, que nós, minoria incompreendida, seres que prezam o silêncio -- de modo a que possamos ouvir, além dos nossos próprios pensamentos, o som do vento nas copas das árvores, dos passarinhos cantando, das ondas do mar, do murmúrio das fontes e dos riachos, da boa música colocada em volume baixo --, não pretendemos que o mundo seja sempre silencioso como um monastério, mas temos a convicção de que o ruído deve ser bem controlado e dosado, por uma questão de saúde e bom senso.

A coisa tá tão feia, que tem gente por aí dizendo que os que prezam o silêncio é que deveriam isolar acusticamente o seu lar-doce-lar, e não os barulhentos -- porque não se pode ferir o direito inalienável que eles têm de fazer o barulho que quiserem e você que se dane ou se mude! --, o que remete àquela outra distorção de valores bem característica destes tempos de "correção política" -- os honestos estão ficando presos atrás de grades e trancas e alarmes enquanto os bandidos ficam livres, leves e soltos...

SOS! (Salvem O Silêncio!)