Ex-seminaristas assessores
Não é de hoje, venho observando os ex-seminaristas, aqueles que desistiram de seguir a carreira eclesiástica. Eles sempre se destacaram no meio social, basicamente pela sólida formação cultural e pelo domínio do vernáculo, resultado de anos de estudos sistemáticos dos escritores clássicos, muitas vezes lidos nos originais, em grego ou latim. Aliado a isso, tinham no currículo escolar o estudo da filosofia, que forja o raciocínio lógico – como o latim – e dá subsídios para os exercícios de retórica nos púlpitos das igrejas...
Colocando a batina de lado, muitas vezes próximo à ordenação sacerdotal, inserem-se com facilidade no mercado de trabalho, normalmente no magistério, onde encontram campo fértil para disseminar seus conhecimentos. O ex-diretor da Escola Normal e hoje professor aposentado José Geraldo Antunes Marques que o diga, ex-aluno que foi do Seminário Diocesano Nossa Senhora Medianeira de Todas as Graças...
No Banco do Brasil – onde trabalhei por 27 anos -, os ex-seminaristas são figuras encontradiças, pois passam facilmente nos concursos, sendo referência para sanar as dúvidas de Português dos pobres mortais, entre os quais me incluo. Dentre esses, lembro-me do Ivan Amaral – a quem chamávamos de “seu” Padre, em nossa república em Francisco Sá -, do João Batista Aquino, do José do Espírito Santo Castro, do Lino Niza, do Antônio Joaquim da Silva, que frequentaram seminários montes-clarenses.
Na política, aqui mesmo no Norte de Minas, dois padres bons de voto ocuparam as prefeituras em Mato Verde e em São Francisco, faz pouco tempo. Na mesma função de alcaide municipal, ex-seminaristas como Antônio Soares Dias e Luiz Tadeu Leite, o primeiro em Francisco Sá e o último em Montes Claros, são provas incontestes da capacidade dessa gente que faltou pouco para celebrar missa...
Ultimamente, todavia, novo campo de trabalho vem absorvendo essa elitizada mão-de-obra. Prefeitos com pouca formação escolar – e até semi-analfabetos – procuram compensar suas deficiências contratando ex-seminaristas como seus assessores diretos. E aí surge um campo fértil para o anedotário, pois a assimetria cultural entre o prefeito e seu assessor dá margens para ruídos diversos nas comunicações bilaterais...
Por esses dias, tive conhecimento de dois casos que ilustram bem essa dissintonia linguística. No primeiro, um prefeito inaugurava o cemitério na cidade e, do alto do palanque, deitava falação entusiasmada sobre a nova obra:
- Agora nós num pricisa levá os morto pra interrá ni Januára. Agora nós tem nosso sumitéro.
E sempre que falava “sumitéro” o assessor ex-seminarista o corrigia, sussurrando em seu ouvido:
- Não é “sumitéro”, prefeito, é cemitério...
Depois de três intervenções, o prefeito, já nervoso, vociferou pra todo mundo ouvir:
- Cemitério é pra ocê qui istudô no Sumináro...
No outro caso, o prefeito chama o seu assessor ao gabinete e o indaga de chofre:
- “Seu” Zezinho, cuma é qui iscreve passo?
E, professoral, o ex-seminarista esclarece:
- Se for paço municipal é com “c” cedilha; se for passo, do verbo passar, escreve-se com dois “esses”...
Aí é que o prefeito “esclareceu” sua pergunta:
- Num é nenhuma coisa nem ôta, Zezim... Quero sabê é desses “passo” que avua, tipo páspreto...
Enquanto isso, a Igreja luta contra a falta de vocação sacerdotal...