Madame la moldure

De vez em quando fico pensando nessa história de vidas passadas. É um mistério pra mim. A vida eterna, lá no Paraíso, pelo menos promete ser mais agradável. Aquela em que se volta pra cá, vá saber... Para nos penitenciar, viveremos cercados de inimigos de séculos e séculos atrás. Será? Tantas coisas dizem, fico atordoada, não dá pra acreditar. Embora às vezes tenhamos a sensação de já conhecermos alguém, ou já termos vivido em algum lugar desconhecido.

Bem, estou falando tudo isso porque tenho uma mania, não é de propósito, acontece sem querer. Dentro de casa, quando venho andando e paro, seja pra falar com alguém ou buscar algo com o olhar, não dá outra, estaciono no vão de uma porta. Eu nem reparo, os outros é que vêem, e dão risada. Madame la Moldure, o que faz aí parada?

Até já me acostumei com o título. Madame é respeitoso e a moldura em volta destaca, não é mesmo? Dou um sorrizinho enigmático, só pra virar a Monalisa encarnada. De óculos, pra ficar moderenizada.Conforme o humor, pra fazer palhaçada, ouso outras poses. Puxo a ponta dos cabelos em desalinho pra virar um Dalí, ou estico e entorto o pescoço à la Miró.

Mas acabo ficando encafifada. Por que será que o batente da porta tanto me atrai e paralisa? Um dia, porém, descobri. Não sei se por lembrança ativada ou imaginação desvairada. Acho que em outra vida vivi num terremoto e para ali corri. Agora, se por isso morri ou sobrevivi, não sei dizer, não.

Em todo caso, esta minha vida de agora continua, já nem tanto em sua aurora...