A MORTE DE UM HOMEM BOM

Não vou descrever pormenorizadamente os factos, pois eles já são conhecidos, vou descrever sobretudo o que me tocou e mudou a minha forma de ser.

Em 1940 por mero acaso, um jovem de 25 anos foi parar à localidade esquecida de Taizé, em França, situada a 400km de Paris.

Chovia, e ele tinha de se abrigar, indo dar a uma casa, cujos donos com o tempo fizeram dele o filho que nunca tiveram.

Era um homem de uma fé e humanidades únicas, e quando o espectro da guerra chegou àquela localidade no corpo de Judeus que fugiam à perseguição nazi, ele acolheu-os e esconde-os nos bosques quando a Gestapo ia à localidade em busca de vitimas.

Sabendo da protecção, a polícia alemã decidiu por sua vez prender Roger. Avisado pelas gentes das redondezas, ele fugiu, deixando a sua já razoável biblioteca e bens pessoais nas mãos dos assassinos que tudo destruíram.

Roger voltou a quando da libertação, em 1944, e estabeleceu-se naquela terra para nunca mais de lá sair.

Com o tempo outras pessoas se juntaram a ele, e passaram a fazer em Taizé uma comunidade laica, mas de vincado cariz religioso, passaram a ser Irmãos.

Os anos passaram, os Irmãos aumentaram em número e, sem que nada o fizesse prever, jovens de todo o mundo começaram a chegar a Taizé para passar alguns dias com os Irmãos.

O número de jovens foi aumentando ao longo dos anos, de tal ordem que, num terreno de Taizé, foram construídas instalações de modo a albergar os jovens que durante o ano não paravam de vir e em número crescente.

Em 2004, ainda agnóstico, e fugindo de um amor que não deu certo, encontrei por acaso Taizé, e de repente apaixonei-me pelo lugar.

Não acreditava em Deus, mas fui recebido como um crente, como um Irmão, e decidi voltar todos os anos sempre que possível, porque lá encontrei uma paz e serenidades como nunca vira em nenhum outro lugar.

Mas algo de terrível aconteceu no dia 15 de Agosto de 2005:

Em plena oração das 21h, uma mulher assassinou o Irmão Roger em plena Igreja de Taizé.

Não estava na Igreja, estava bem perto, mas pude testemunhar a grandeza daquela comunidade ao reagir calmamente, no auge da dor, à tragédia.

Vi e partilhei a dor e a calma de todos os jovens e adultos, vi e a minha vida mudou para sempre naquele dia 15 de Agosto.

Continuei a ir a Taizé, e em 2007 reconverti-me ao cristianismo em Taizé e em Oradur-sur-Glane, local não muito distante onde em 1944 foram massacradas por tropas da divisão “Das Reich” nazis mais de 700 homens mulheres e crianças, aldeia deixada intacta para que o mundo não esquecesse a barbárie nazi.

Sou hoje um homem crente, moderadamente crente, liberal, mas crente, acredito em Deus, não porque o tenha visto ou sonhado com ele, mas porque um conjunto extraordinário de circunstâncias me levou de novo à fé, das tais coisas que não se explicam, sentem-se, como diria uma boa amiga minha…

A Igreja ganhou um crente, mas tudo começou porque fui a Taizé, porque me acarinharam, e embora não tenha conhecido o Irmão Roger pessoalmente, ele e a sua obra, são alguns dos responsáveis por ter voltado à Fé, por ser um homem mais tranquilo e em paz comigo mesmo.

Passam hoje 4 anos da tua partida Irmão, e com este texto te quero homenagear, e dizer que nunca desaparecerás daquilo que sou, sei que irás sorrir quando vires este texto, e mais ainda quando souberes que ergo a minha taça da vida para Ti e para aqueles que me aceitam, tal como fui aceite em Taizé, e sabem que tal como Tu sou um homem bom e irei orientar a minha vida para essa bondade.

Miguel Patrício Gomes
Enviado por Miguel Patrício Gomes em 15/08/2009
Código do texto: T1755600
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