Cooper na terceira idade

          Voltei ao cooper, que faço à beira mar. E que mar, o mar de Salvador!
      Voltei, para alegria dos meus filhos. Eles gostam de me ver atolado em dezenas de livros, mas reprovam, sem meias palavras, minha inexplicável fuga de um exercício físico diário e eficiente.
      Desta vez, volto prometendo a mim mesmo que, neste verão, serei presença constante e incansável na orla que vai da Pituba, onde moro, à Boca do Rio, outro populoso bairro da capital baiana.  Quem conhece Salvador, identifica, sem maiores dificuldades, o pedaço da orla soteropolitana, ao qual acabo de me referir.
      Hoje, por exemplo, aproveitando um solzinho de fim de tarde, estive por lá, e andei, aproximadamente, três quilômetros, no extenso e maltratado calçadão que liga Amaralina a Itapoan.
    Quero dizer, que fiz todo esse percurso sem, em nenhum momento, por a língua pra fora, denunciando cançaso.  O que não deixa de ser deveras alentador, levando-se em conta a idade provecta deste ousado cronista que, de atleta, não tem absolutamente nada.
    Pelo caminho fui encontrando muitos conhecidos; a maioria da minha idade, portanto, insignes sobreviventes... Alguns deles,  ao me descobrirem num trote audacioso e acelerado, tomaram aquele susto.
     Pareciam não acreditar no que estavam vendo, ou seja, este enferrujado setentão vestindo um short  muito decente, de tênis preto e envergando uma camisa Pólo azul-claro.
     Apesar do meu esforço e cuidado em me apresentar, digamos, como um maratonista olímpico, a saudação que ouvia era sempre esta: "E a saúde, companheiro?"
     Limitava-me a acenar com a mão.  Com essa cordial saudação, queria evitar papos sobre colesterol, glicemia, uréia, ácido úrico, catarata, creatinina e outras doencinhas que atingem, preferencialmente, os que  tiveram a felicidade de ultrapassar a barreira dos setenta.
     Mas caí, moço, na besteira de parar numa barraquinha para beber uma água de coco, pagando pelo produto natural uma nota.  Não prevaleceu minha alegação de ser da terra e não ser um turista. O barraqueiro, enfarruscado, macambúzio, argumentou, a queima roupa, que o coco era "importado". Importado? Veio de onde, perguntei. E ele: "De Sergipe". Repliquei: ora, amigo, Sergipe é nosso visinho. 
     O barraqueiro fez de conta que não me ouvia e segiu atendendo outros fregueses, todos, claro, condenados a pagar uma exorbitância pelo tal coco "importado".
     Envolvido com o barraqueiro, não me dei conta de que um dos andarilhos, que encontrara momentos antes no calçadão, se aproximara de mim, e, o pior, querendo saber se eu era diabético.
     Fazendo tudo para não ser indelicado, procurei não falar sobre insulina e muito menos sobre o  meu pâncreas. 
      Habilmente, consegui conduzir o amigo até às ondas mais próximas, mostrando-lhe  que elas, no seu rouco murnúrio marinho, viravam  "espumas assanhadas" ao tocarem a areia poluída da praia indefesa.
     Uma vez retirado de pauta  o assunto diabetes, nossa conversa podia ter rolado sobre política, futebol ou mulheres. 
      Eu, torcedor do Vitória e ele torcedor do Bahia, logo chegaríamos à conclusão de que não valeria gastar saliva com esses dois "timinhos", sempre realizando uma campanha muito ruim nos campeonatos que disputam.
      Discutir política, seria estragar o nosso cooper. De repente falaríamos sobre escândalos e o entardecer, que se desenhava atraente, deslumbrante, não merecia que se lhe maculasse a imagem, falando sobre  malandros e malandragens.
     Sobre mulheres?   

         Bem, preferimos continuar observando -  escondendo prováveis  desejos - as mulheres  que por nós passavam, arriscando um ligeiro olhar, cheio de pecado...
      Depois de quinze ou vinte minutos  ligados, ele e eu, apenas, no som do Atlântico, nos despedimos, e eu reiniciei minha caminhada à beira-mar.  E só parei quando minhas septuagenárias pernas pediram um time!
      Parei e fiquei a admirar - recordando mil e uma coisas - o crepúsculo que descia, encantador, sobre a mística cidade de São Salvador. 
          E assim permaneci, até que vi nascer, no céu de Salvador, a primeira estrelinha. Era a estrela Vésper, a estrela do Pastor. E na sua companhia, voltei pra casa banhado de suor.

Nota - Na foto,  o lindo mar da Pituba visto da minha varanda. Fotografei-o numa tarde de sol pleno.

     
         
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 15/08/2009
Reeditado em 18/04/2014
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