GRAMÁTICA É SÉRIO (O alfabetizado é escravo e o analfabeto é misirável e o semianalfabeto tolo)
terça-feira, 30 de junho de 2009
Claudeci Ferreira de Andrade
Era de costume, a professora pedagoga de formação parcelada, como "boa profissional" que era, sempre chegava mais cedo para escrever os recados da semana no quadro de avisos da sala dos professores. Apesar de serem recados úteis, ninguém os lia; um ou outro passava apenas os olhos e ria porque, quase sempre, estavam subscritos: à direção. Planejei usar, como desculpa, a crase mal empregada e dizer que o recado não era para mim, mas para a direção. Achei que os outros pensavam o mesmo. De tão cansada e desestimulada por não vê nada, do planejado acontecendo, ela então foi ao extremo quando, numa segunda-feira, ao me aproximar para ler os anúncios daquela semana, deparei-me com um forte apelo, em letras garrafais, colocado na parte superior do quadro, bem destacado: “LEIÃO”. Foi em um instante, enquanto fui ao bebedouro dos alunos tomar um copo d’água, que quando retornei, logo aquele quadro de avisos chamou-me a atenção novamente, agora com mais força. Um colega havia interpretado o então atrevido apelo, com uma boa pitada de humor, usando uma conjugação verbal um tanto estranha: “Se não puder leiar então leiam”. Disseram-me que a frase foi arte do professor Joaquim. Eu já tinha visto a conjugação do verbo Xerocar e, mais artisticamente, eu Tvjo que significa: ver televisão na primeira pessoa do presente do indicativo, mas naquele momento, tive que refletir um pouco mais sobre aquela locução verbal numa espécie de futuro do subjuntivo: “...puder leiar...”! Porém, para chegar alguma conclusão, precisei pensar em outra direção, não gramaticalmente. Questionei, para mim mesmo, a qualidade da formação acadêmica do profissional da educação, ou melhor, questionei minha qualidade profissional. Ao sair da sala dos professores, perguntei ao professor coordenador de turno Joaquim: Por que um bom número de profissionais da educação pública mantém seus filhos nas escolas particulares? Você não acha incoerente? Eu queria saber se esse comportamento tinha a ver com a qualidade de ensino público.
— Eu colocaria minha filha para estudar numa escola pública sem receio algum! E você Rapelle?— pergunta ele para a coordenadora pedagógica em questão, na busca de apoio.
— Meus filhos estudam em uma escola municipal e minha conclusão final é: não existe escola ruim e/ou professor ruim, mas, aluno ruim.
Então me perguntei novamente: E o que é aluno ruim? Fui resmungando até a sala em que eu ia ministrar minha primeira aula daquela noite. Era uma turma de 8a série que tinha aluno cujo seu próprio nome não sabia escrever corretamente. Nessa turma, propus-me, com a ajuda da coordenadora pedagógica, ensinar os tipos de redação; no final do mês, então, pedi um texto dissertativo para somar nota àquele primeiro bimestre. Investi muito esforço e paciência para corrigir, folha por folha, os textos que me entregaram.
No dia seguinte, ao devolvê-los corrigidos para que eles tomassem consciência das deficiências textuais, fui coroado com um abaixo assinado, contendo muitas assinaturas, reprovando-me como professor deles. Pelas conversas informais no pátio e pelas confidências até pensava que tinha alguns bons estudantes, ali! Fui traído!
Passaram-se os dias; não pude me esquecer daquele dia, no qual, bem intencionado, havia decidido ensiná-los melhor, motivado pela reflexão feita sobre os erros ortográficos da professora coordenadora, responsável pelos os anúncios para os professores. E então, me perguntei quem era o ruim: eu, ou a escola, ou o aluno?
Hoje depois de seis meses, retornei àquela escola para rever os amigos que ali deixei. O quadro de funcionários já não é o mesmo, mas o professor Joaquim continua lá com o mesmo espírito de humor, agora está lecionando matemática, contudo me contou um fato interessante, pareceu-me que ainda se lembrava da teoria de Rapelle: “... ruim é o aluno”.
— Professor, tenho uma novidade para lhe contar, — disse-me ele entusiasmado — este ano vieram duas moças bonitas do colégio vizinho, ambas as moças acabaram de concluir o terceiro ano do Ensino Médio, magistério, foram colegas na mesma sala: uma veio para assistir aulas de reforço na 8a série porque se sentia fraca; a outra veio lecionar matemática para a mesma 8a série porque se achava muito forte.
Não me convenceu. Ele, no final, se contradisse sem sentir. Já na saída, depois de termos cruzado com um senhor distinto.
— Você viu esse senhor educado que passou aqui agora por nós! — disse Joaquim — É o pai da jovem professora de matemática da 8a série, minha colega. Ele é um político muito influente na cidade e consegue muitas coisas para nossa escola!
Lamento pela evidente conclusão que o alfabetizado é escravo e o analfabeto é miserável e o semianalfabeto tolo.