CACHORRO LOUCO

O aviso era repetido de casa em casa. Parecia um dos vizinhos, mas como é que se pode saber? Que era homem, com certeza e que vinha acompanhado, também. Difícil saber se enovoado era pelo clima do dia ou o por um desses encapamentos da memória - algumas vividas, outras, turvas. Quem é que rege essas coisas?

De qualquer forma o agouro sinistro lançado pelo homem ecoava naquela mente de menino: "cuidado que tem cachorro louco por aí!". Em sua meninice era impossível encaixar aquelas palavras em algum cubículo de entendimento; que diabos era aquilo? A mãe só chegaria ao final do dia, cansada de tanto lecionar, era esse o termo que ela usava, por isso não daria para perguntar a ela. Quanto ao pai, esse sequer aparece no registro mental daquela época, embora apenas seu sobrenome conste no registro civil - uma voracidade egoísta deste homem que por anos seria tomada como a sina do filho: ser-lhe a farinha do saco. Com certeza eram outros tempos estes onde o pai também não tinha um enquadre no cubículo de sua mental meninice, tal qual o cachorrolouco, então, não havia também pai para perguntar. Era o tempo da mãe.

Dado o tom agourento, achou melhor se precaver e o melhor que pode fazer foi ficar atrás do portão de madeira. Não queria entrar porque afinal era um excitação que havia, essa gerada pelo cachorrolouco, por saber que diabos era aquilo. Seguiu o(s) vizinho(s)(é novamente o parêntese da memória, afinal era um ou eram dois? ) com os olhos enquanto desciam aquilo que lhe parecia uma ribanceira enorme, um verdadeiro vale andino , onde ao longe conseguiu avistar um amontoado de homens. Lembrou-se da outra parte do aviso:"vai ter tiro aí, a polícia vai matar o cachorro louco". Como ainda não sabia o que era um e outro, ficou olhando, apesar de saber que era algo para se medrar.

Do tiro não se lembra, embora ficasse atento para saber o que era um, e tivesse tentado notar quando esse evento cataclísmico se daria: o tiro que mataria o cachorrolouco. Também não perguntou à mãe, visto que esta ficou irritada ao saber que o filho ficara lá fora com cachorrolouco à solta; provavelmente a empregada contara antes que ele pudesse perguntar.

Só sabe que hoje muitos homens se queixam de que o dia dos pais é no mês das ventanias e dos cachorrosloucos. Talvez eles mereçam...