Uma mensagem de amor estampada no peito
Eu devia ter uns oito anos de idade, quando meu irmão passou por mim trajando um moletom branco.Apenas uma coisa rompia a alvura da peça: uma declaração de amor, escrita em inglês.
Mas este texto grafado em vermelha cor, não maculava a candura do branco.Ao contrário, imprimia à roupa ainda mais pureza.Uma mensagem de amor estampada no peito era a coisa mais encantadora que eu já havia visto em toda a minha vida.
Apaixonei-me à primeira vista pelo agasalho.
Eu estava convencida de uma coisa: os americanos eram um povo sensível. Da paz. Do amor.Só uma gente afetuosa seria capaz de confeccionar uma veste como aquela.Jamais cogitei a hipótese de que o moletom fosse de origem nacional!
Embevecida, eu suspirava ao ver a blusa úmida dependurada na corda. O escrito fazia do varal a sua linha, o seu verso romântico.Uma roupa poética.Era uma pena não fazerem vestes tão bonitas como aquela para crianças!
Mas, num átimo, eu compreendi: o amor era coisa de adultos.
Quando eu crescesse, também carregaria o amor no peito.Crianças não são tão cuidadosas: derrubam catchup, voltam da escola com o uniforme todo suado, rasgam a roupa brigando, subindo em árvores.
Criança! O amor requer desvelo!
Resolvi, então, aprender mais palavras em inglês.Afinal, essa era uma língua muito bela.
No desenho animado do Pica-Pau, tomei conhecimento de outro vocábulo.Antes de a atração começar, o locutor dizia, com voz imponente: "versão brasileira "Herbert Richars”.
E eu passei a repetir, enleada: “rér-rér-tubichers”.Embora eu não soubesse o significado de “rér-rér-tubichers”, no meu íntimo eu levava a certeza de que se tratava de mais uma manifestação grandiosa do sentimento mais nobre do universo.
Anos mais tarde, quando o blusão já estava bem surrado, ganhei-o do Wanderlei: tive o prazer de fazer do agasalho um companheiro de sono.
Usei-o muito, muito, muito! Apenas para dormir. Pedia à minha mãe que abusasse do amaciante de roupas para eu dormir sentindo o cheiro e a maciez do amor.
Um dia, soube que o “team”, grafado em cor escarlate, não significava “eu te amo”, como eu supunha, mas a descoberta não minou a paixão.
Foi eterno enquanto durou.Enquanto o tecido resistiu.
Minha mãe, um dia, farta de lavar aquele “trapo”, jogou fora, numa ausência minha escolar.
Confesso que fiquei triste.
Mais triste ainda fiquei quando descobri que o povo americano fazia guerras.
Para este tipo de luta, eu nunca vesti a camisa.
(Maria Shu - 14 de agosto de 2009)