O ÚNICO ESCRITOR DO BRASIL
Freud dizia que: “diante de um elogio estamos sempre indefesos”.
Pode ser realmente verdade. Como (e por quê?) nos defender de um elogio?
Entretanto, algumas críticas, longe de buscar uma construção reflexiva, um acréscimo de valor e sentido à obra, oferecem o avesso. E reduzem a produção de um autor a nada ou quase isso.
Citarei um dos exemplos mais contundentes que lembro nos últimos meses.
No final do ano passado, a TV Globo exibiu a minissérie “Capitu” dirigida por Luiz Fernando Carvalho e baseada na obra de Machado de Assis, “Dom Casmurro”. Um dos articulistas da revista Veja, escreveu uma coluna com o seguinte título:
“E Machado virou circo”
Quando a crítica reduz toda a abordagem ao aspecto "circense", na tentativa de pinçar um elemento, tornando-o a base do raciocínio sarcástico, para atacar uma obra, me parece, no mínimo, ainda mais leviano do que a própria tentativa de ridicularizar, contrapondo uma das artes mais puras, dessa gente do picadeiro, que exerce seu ofício mambembe com a mesma dignidade que o mais renomado, reconhecido ou prestigiado estilo artístico erudito.
A crítica a que me refiro, ao invés de contestar com argumentos, trata de mostrar a que "distância" (do ponto de vista do autor da coluna) a adaptação está da obra original, mas apenas para desmerecê-la por esta característica em destaque, que pode ter uma leitura completamente diferente para outros olhos.
Ou será que só existe uma forma de olhar?
Quem deseja a metáfora, compara por aproximação e então, certamente ela não poderia soar ridícula apenas para um dos lados, ou será que o circo tem essa "brilhante" característica?
Ou ainda, se entendermos literalmente, será que Machado de Assis se sentiria ofendido se artistas circenses encenassem a adaptação de sua obra, Capitu, para o respeitável público?
Entretanto esta mesma crítica que ataca ferozmente seu objeto de análise comete o maior e mais profundo desrespeito ao afirmar que Machado de Assis é o único escritor do Brasil.
O que move determinado tipo de crítica, não me parece ser a defesa da literatura nem mesmo a obra de Machado.
Se fosse, ninguém que tenta defendê-la ignora, ao mesmo tempo, tantos escritores deste país.
Por isso, vejo (sem nenhum trocadilho) o que leio, com outros olhos. Desconfio dessa fúria que em nome da "defesa", aniquila.
Enfim, se Capitu pode ser analisada do ponto de vista de um "tratado sobre a dúvida", nada melhor que não termos apenas uma resposta possível para a indagação que a obra nos suscita.
Assim como não deveríamos ter uma abordagem possível. E penso que é justamente neste leque de possibilidades que se abre, ao invés de se fechar em uma certeza incontestável na direção do narrador, que Capitu surgiu.
Provocar reflexões deveria ser o primeiro objetivo de um crítico. E para isso, não é necessário atropelar o sentido da obra de alguém.
(*) Imagem: Google
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