ANIVERSÁRIOS

A primeira lembrança que eu tenho de aniversário é pavorosa. Meus pais passaram boa parte da vida preocupados em manter-se (nos) vivos, subsistindo e não tinham muito tempo para essa coisa pequeno burguesa de festas de aniversário. Ainda assim, esses ideário media class cola mais que gosma de jaca.

Pois bem, como não eram muitas as festas, lembro das poucas, em especial da primeira, como eu ia dizendo. Acho que eu iria comemorar 4 ou 5 anos, sei lá.

O que me lembro era da casa cheia, de gente grande e crianças, muitos desconhecidos (pais evangélicos ultra-piedosos tem mania de transformar as festas dos filhos em eventos evangelísticos, fazer o quê?), da dificuldade em encaixar o flash da máquina fotográfica. Aviso aos incautos - as maquinas fotográficas de....30 anos atrás não eram as modernetes de hoje não. Aliás, ter máquina fotográfica em casa não era nem coisa de pequeno burgês não, era de gente já mais endinheirada. Os mais pobres que tinham conhecidos e amigos melhorzinhos na vida as arrumavam emprestadas. Eram umas caixinhas de plástico tosco e, como eu ia dizendo, levavam um flash encaixado em cima; veja bem, o flash era um cubinho de plástico onde em cada uma das faces havia uma lâmpadinha que ao disparar se queimava - mais ou menos como a pólvora das primeiras máquinas de fotografia, que víamos nos filmes. As pessoas compravam uns dois ou três cubinhos daquele, e iam usando. Se acabassem, bom ia sem flash mesmo.

Voltando à festa, o que mais me marca foi o momento do PARABÉNS: todos reunidos em torno do bolo e dos docinhos que mamãe fizera, após chegar do exaustivo dia de professora primária em uma vila vizinha. Guaraná de vidro escuro, marca Cotuba, gelada em uns baldões de alumínio, com gelo e palha de arroz dentro (pro gelo demorar mais para derreter).

Então, o povo todo à minha frente, apenas a mesa do bolo a nos separar. Não sei porque diabos, ao primeiro PA do Parabens, eu desato a chorar, enfio a cara no ombro de minha mamãe. Não queria ver ninguém, queria sumir dali. Autorecriminação em alta, pois algo já me dizia que aquela não era a atitude correta a se tomar; meu infeliz apego aos ideais já ia se formando. Não sei se alguém disse algo assim - "que coisa feia, chorar quando cantam para você". Juro que foi um parente - afinal, para que servem parentes a não ser para falarmos mal deles aos nossos analistas.... e assim nos desemcumbinos de nossas culpas....

Depois disso eu esperava pelos presentes no aniversário, que nem sempre vinham. O problema de ser pobre e fazer aniversário no final do ano era que os pais tentavam me engambelar dando dois em um ( o de Natal e o de aniversário!).

Depois disso, me apeguei ao ideal esquerdista, esse aí, de que festa de aniversário é coisa de pequeno burgês.

Pois foi entre eles, na faculade, que uma amiga reacendeu aquela coisa existencial do aniversário, que eu enterrei nos ombros de mamãe naquela noite. Um dia para pensar em mim, um dia que passei a chamar de meu, pois marcou minha entrada neste mundo. Acho que é o dia em que me sinto menos alienado em relação a mim mesmo, me acho pleno de direitos, mesmo de passar ridículo em público, limpar meleca do nariz sem a menor preocupação, olhar os outros de cima prá baixo, afinal, nasci. É bom ser paparicado neste dia. Acho que é isto que gosto no dia de meu aniversário - me permitir ser amado.