O menino que queria voar

Ficava se imaginando como um pássaro. Uma gaivota, uma águia, um falcão. Sempre pensava nisso, sonhava em voar, podia ser até um urubu, não importava, desde que tivesse asas grandes. Mas não queria voar em avião ou outro aparelho qualquer, queria voar mesmo, também não era nada como o super-homem, que voa muito rápido, dizia ele, queria voar como pássaros, e grandes, bem de leve, sentir o vento escorrendo pelo seu rosto, planar no ar, completamente livre, sem peso... sem amarras. Algo como aquilo que os adultos sonham em ser, normalmente quando vêem meninos tomando banho de cuecas no chafariz da praça em dias de muito calor.

Chegava até sonhar algumas vezes que voava, e muitas vezes os sonhos assustavam, é que não conseguia controlar o vôo e se esborrachava no chão, mas não se machucava, só acordava gritando e gritando acordava todos da casa, assustados com aqueles sons: Uoou, Uoooooooooooooouu, e quando iria pousar era uaaaaaaaaaaaaaaahhhhhhh!

Não poucas vezes caía da cama, mas acordava sempre rindo, banhado na sensação de paz de voar.

Em alguns sonhos conseguia controlar o vôo completamente, e então ia para um lugar que tivesse mar, passava rasante a água olhando bem de perto os cardumes de peixes azuis e amarelos que se espalhavam, sentia até as gotas da água do mar que insistiam em lhe acariciar as bochechas, sentia até o sabor da água salgada.

Todas as vezes que viu adultos rezando eles estavam pedindo coisas, veio daí a idéia de rezar toda noite para sonhar que voava. Já sabia que no mundo de verdade nunca iria consegui voarr. As gentes grandes já haviam lhe tirado essa ilusão quando era mais jovem, bem antes de agora, que já estava com sete anos.

Até que viu na televisão um desenho, do Coiote e do Papa-Léguas, no desenho, o coiote que invariavelmente apanhava e se dava mal, nesta vez caiu vagarosamente de um precipício usando um guarda-chuva, planava no ar, descia devagar como uma pluma dançando ao sabor das brisas, claro que não era como voar, mas para ele já bastava.

- É isso, é isso, é isso!

Saiu correndo atrás de um guarda-chuva. Pegou a sombrinha da mãe e viu que era muito pequena. Não, sombrinha é coisa de mulher, pensou, revirou a garagem até achar um guarda-chuva que era do seu avô, tão grande para ele que se assemelhava a um apartamento, saiu dali decidido: Vou voar.

Chamou seu amiguinho que além de amigo era vizinho, a casa dele tinha um açougue em baixo e eles moravam em cima, e bem lá em cima havia um terraço, era o lugar mais alto que o menino conseguia imaginar naquela hora.

- Jéferson... Jéferson. – Esperou mais um pouco. Jefersooooooooooon.

- O que é?

Apareceu na janela o amigo com cara de choro, estava de castigo.

- Posso ir aí na sua casa?

- Pra quê?

- Para fazer um teste? Posso?

- Pode, tô de castigo mesmo.

Lá foi ele, arrastando o guarda-chuva que era quase do seu tamanho. Chegou lá e foi direto para o terraço, explicou para o amigo o que vira no desenho. O outro, como toda boa criança apoiou sua idéia. Subiu na mureta do terraço e abriu o guarda-chuva. O grito da sua mãe ecoou por toda a quadra.

- Menino, desce já daí. Pelamordedeus meu filho, desce daí, você vai se matar menino.

- Não vou não mãe, pode deixar, eu vou cair bem devagarzinho, a senhora vai ver.

- Meu filho, por favor, conversa com a mãe uma coisa antes.

- O que é?

- Você gosta da mãe filho?

- Gosto.

- Você gosta do pai?

- Gosto.

- Então desce daí filho, por favor, pelo amor que você tem por sua mãezinha.

- Mãe, não se preocupa, eu vou...

- DESCE DAÍ AGORA OU VOU TE ARREBENTAR DE PORRADA QUANDO VOCÊ CHEGAR AQUI EM BAIXO.

Decidiu não pular, devido aos fortes argumentos da sua mãe. Mas nem deu tempo de desistir, o pai do Jéferson já havia subido o terraço e agarrou o menino que estava pronto para se jogar do terceiro andar. O menino saiu pensando: Esses adultos são uns idiotas.

O tempo, que é o senhor da vida, acelerou sua roda, muitos e muitos anos depois o menino se tornou homem, casado, com filhos, com carro e com casa. Também com um trabalho, que lhe prendia qual pássaro em gaiola. Do alto do edifício que trabalhava, passava um bom tempo olhando os pássaros passando em frente a sua janela, pombos é verdade, mas continuavam sendo pássaros e estavam lá fora, ele trancado, algumas vezes com uma tristeza cortante por algo que não sabia explicar, lhe doía a alma, então voltava ao trabalho.

De férias na praia com a esposa se instalou sob um guarda sol com os filhos e a esposa. A esposa foi dar uma caminhada com as duas meninas e ele ficou sozinho com o filho mais novo, olhou para a casa do salva vidas, olhou para o filho e olhou para o guarda sol. Sorriu com a possibilidade de largar o filho lá de cima agarrado em um guarda sol e provar que ele teria caído flutuando naquele dia longínquo de sua infância.

Tudo preparado, avisos, guarda-sol, subir a escada da casa do salva-vidas.

- Você vai adorar filho.

O menino sem entender muito o que estava acontecendo estava gostando, suas maiores emoções se resumiam aos jogos de computador. Estavam a postos quando escutam os berros:

- DESCE DAÍ AGORA. Você está louco homem? Quer matar o menino?

O menino desceu, guardaram o guarda sol, voltaram para casa, a mulher reclamando... O homem disse baixinho:

- Esses adultos são uns idiotas...

Alberto Ferreira
Enviado por Alberto Ferreira em 13/08/2009
Reeditado em 23/11/2009
Código do texto: T1752186
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