Architectura
ARCHITECTURA, Olhares, os Bracher e Décio...
Carnaval, 2005.Virose forte deixa-me de molho. Após os três dias esperados, melhoro.Vou para a sala olhar as notícias. Interessante constatação: "olhar" notícias. Nossos antepassados sabiam delas. Ouviam, depois as liam. Somente uns poucos participavam da História viva.Os heróis, as vítimas. Hoje todos somos protagonistas. Os meios permitem que olhemos tudo. Comentamos, participamos, mesmo muito longe fisiscamente do que ocorre. Por isso os de espírito aventureiro saíam a desbobrir coisas além dos muros, mares a fora. Hoje, alguns poucos herdam essa vontade de, in locum, estar. Basta acessar qualquer site de busca e lá estão as ondas no Havaí, o Aconcágua,o Kilimanjaro, o Iguaçu, a Floresta amazônica, Machu Pichu... Passado e presente abertos em leque, às vezes, um porvir já arquitetado. As facilidades hodiernas deram uma espécie de preguiça ao homem. Por que se levantar, vestir capa e sair de guarda chuva até à casa da amadinha se, pelo Orkut, ele poderá dar asas à imaginação, estar com ela por escrito, com som e imagem? Arquitetar dizeres e atos muito mais soltos ou elaborados, porque não passam pelo crivo do olhar “olho-no-olho”, esse constrangedor e infalível meio de exposição individual. A alma se debruça nas pestanas. Filtra-se nas gelosias da intenções. E se revela...
Tudo isso, para dizer que ao VER o carnaval nas cidades mineiras, previamente, eu fico em/cantada, literalmente, com o casario barroco de Tiradentes, Ouro preto e as demais cidades que têm em sua arquitetura, um retrato colonial preservado. Houve na Rede Globo Minas uma reportagem sobre as ruas chamadas “direita”, o que se repete em várias delas. Nesse lado, moravam poderosos. Deduzo que tal ocorria porque antigamente acreditava-se que tudo sinistro (de esquerda) era do demônio, pintado de feíssimo pela Igreja. Tudo que era errado. Então os cheios de dinheiro moravam do lado dextro. O lado do bem e da beleza... Depois, Olinda, Parati, essas jóias que tantos brasileiros ainda não conhecem de perto para reverenciar após olhar deliciados...
Tenho paixão por arquitetura. Qualquer uma, mesmo as das mutantes e mutáveis nuvens-tenho até uma série de Poetrix, devidamente editada em papel na antologia internacional “Roda Mundo, Roda Gigante”, organizada por Douglas Lara (Ottoni Editora/2004) – até as arquiteturas que a natureza nos mostra a cada instante. Mas a realizada dentro da cabeça de um homem,fascinam-me.Como o idealizador deve sentir-se um deus, ele próprio criatura de seu Criador! Em viagem, sentada no banco do carona, quando fui casada com um engenheiro, via e registrava dezenas de igrejas e casinhas, sem poder fotografá-las, exceto com meu olhar, pois ele programava o tempo de das viagens com muita preisão e não tinha meus frissons de artista e poeta, embora fosse responsável por portos, passarelas e viadutos, obras de arte de pontes. Forte sentimento utilitário, o dele. Mas o arquiteto, essa arquiteta, sabiam que arquiteto (do Latim “Architecto") também está no dicionário como “intenção”? Talvez por isso o excelente poeta baiano Almandrade, artista plástico e arquiteto, tenha ao seu lindo e significativo livro de verso, "ARQUITETURA DE ALGODÃO"...
Quando cheguei do Sul de Minas, de retorno a Juiz de Fora, Minas gerais, ouvi falar de Carlos Bracher, o Pintor. Ele acabara de ganhar o Prêmio de Viagem Ao Estrangeiro, tendo pintado o Cemitério da Glória, adjacente à Igreja de mesmo nome, que eu freqüentava, onde minha irmã Cleone e eu nos casamos e batizamos filhos. Pintou as miniarquiteturas, as derradeiras mordias do corpo de alguém: túmulos, lápides.... Lá se foi o moço, mas família lá estava, exercendo um fascínio a meu olhar de jovem repórter. Para começar, os Bracher moravam (moram?) em um castelo, bem no alto. Fui lá assistir Faiga Strower ensinar litogravura — aliás,e la foi uma das mentoras de Carlos. Um dia, fui à pró-reitoria assistir o formidável pai do artista, Frederico Bracher, numa convenção de Cientistas, provar, numa fórmula gigantesca, que “os átomos de Cristo”, porque a matéria atômica transmigra incessantemente entre os corpos, REALMENTE EXISTE nas hóstias. O impacto dessa revelação fez-me escrever muita poesia e confortou-me a alma de mocinha já desiludida com certos preceitos católicos. Essa pró-reitoria foi arquitetada por outro membro da família, o também artista plástico e arquiteto Décio Bracher, precursou do chamado “ecletismo arquitetônico". Foi uma entrevista inesquecível. Absolutamente encantador, naqueles anos 60 (o seu projeto é de 1964, o ano fatídico do chamado Golpe Militar brasileiro). Deu o braço à mocinha curiosa que eu era e levou-me para observar a fachada do prédio. Mostrou-me um segredo lindo: representa uma pauta, cada janela, uma nota: na verdade, projetou uma música concreta. Que poeta! Que pessoa cheia de ARCHITECTURA: "plano, projeto, intenção"... Mas o arquiteto vai além: faz executar...
Bastante premiado, desde a adolescência, no Colégio Granbery (é mesmo “n” antes de “b”, rss), em Juiz de Fora, onde era caricaturista de mestres e colegas, fundou o jornalzinho de lá, criou a corujinha símbolo da FAFILE (ICHL, hoje em dia), em 1981 realizou uma "Semana da família Bracher". Nela, nesse conceito amplo, são todos arquitetos, de Fanny Bracher, a esposa de Carlos, tão forte que sendo casada com um gênio consegue manter um estilo bem pessoal (moram em Ouro Preto e o casario deve mantê-los permanentemente em delírio crativo — todos aqueles telhados, varandas, portas e portais, que vi enlouquecida de gozo estético por assimdizer, em São Luiz do Maranhão)... Havia Celina, que morreu e in memoriam a amília mantinha a c hamada “Galeria de Arte Celina (Bracher). Para lá íamos, durante o dia, dar cobertura a estudantes perseguidos (levávamos comidinhas e palavras de conforto — e às vezes, eu os convidava a almoçar em minha casa, pois na mesa de mamãe sempre cabia mais alguém e sua panela era de bruxinha: nunca se esvaziava quando necessário: se esvaía, para novos pratos.... Nunca soube se o Sr.Waldemar Bracher (o pai cientista e dono de uma cerâmica que colocou a família cedo em contato com o olhar artístico (aí também Décio influenciou o feitio — aliás a LOUÇART na época era considerada a melhor cerâmica brasileira) chegou a saber dessa função da galeria de arte... Lembro do Marcos Segundo, um desenhista de quem publiquei um rosto em minha página na Gazeta Comercial, que era o guardião da galeria, indo almoçar lá em casa, entrando no banheiro para lavar as mãos e saindo de lá, sob nosso espantado olhar, de cabelos lavados...
Nunca mais me encontrei com o Décio. Era um robusto e sorridente jovem homem. Na foto abaixo, vejo-o com as marcas da idade-eu própria já uma mulher com mais de cinqüenta-em 1999, quando completava uns sessenta anos de Arte, mas com o olhar aceso. Como sói ser...
Em geral, arquitetos são artistas.Mesmo não tendo as origens de um Décio Bracher. O prazer criativo os leva aos meandros dessa gozo ímpar, que os torna colegas do Arquiteto Original, capaz de criar esse Universo sempre fantástico, in/crível...
Clevane Pessoa de Araújo Lopes
Belo Horizonte,Minas gerais, Brasil/25/02/2005 .