UM OLHAR NA DIREÇÃO DA PAZ

(A crônica UM OLHAR NA DIREÇÃO DA PAZ está inserida no livro solo TRIBUTO AO SOLDADO CONHECIDO, que está sendo publicado na sua 2ª Edição ainda neste ano.)

QUANDO eu era criança, tinha um olhar curioso na direção de meu pai.

Algo na sua figura física parecia “não combinar” muito bem. Achava estranho o fato de ele ter apenas o braço direito, enquanto que o braço esquerdo resumia-se num toquinho à altura do ombro.

Certo dia, chegou um visitante de pele morena, tão ou mais estranho que o meu pai. Nele, faltava uma perna e alguns dedos das mãos.

Eu e meus irmãos éramos pequenos, e a curiosidade natural levou-nos a fazer perguntas ao visitante de pele escura. Ambos – o visitante e meu pai – brincaram conosco, querendo esconder algo, por causa da nossa idade ou por causa da lembrança terrível que não queriam evocar além daquilo que era visível.

O visitante (era Cícero Cavalheiro, colega de guerra e amigo de Fernando – homenageado na cidade de Santo Ângelo-RS com o nome de uma Praça)estendeu suas mãos para nós e deixou que tocássemos naqueles tocos de dedos. Brincamos com suas muletas, tentando nos adaptar à realidade de seres humanos mutilados, embora bailassem mil e uma perguntas em nossos corações.

***

Alguns dias depois, após perguntas incessantes, meu pai chamou-nos para perto de si. Tirou a camisa, mostrou-nos a mutilação que se escondia à altura do ombro esquerdo e principiou a contar-nos uma história de matanças e de guerras:

Perguntamos a ele:

-Pai, o que é uma guerra?

-Crianças, não sei como explicar em palavras o que é uma guerra. É um “lugar” onde homens de países diferentes lutam uns contra os outros...

-E matam uns aos outros?

-Matam, ferem, fazem prisioneiros...

-Por que tudo isso, pai?

-Não sei, crianças, não sei. Mas vocês precisam saber que sempre existiram guerras neste nosso mundo. E enquanto houver seres humanos ambiciosos e inescrupulosos tentando deter o poder absoluto, acredito que sempre acontecerão novas guerras. A guerra da qual participei ficou conhecida com “2ª Guerra Mundial”. Envolveu países de todo o mundo, e o Brasil combateu junto de países aliados contra o Nazismo e o Fascismo. Lutamos por um mundo livre, onde todos pudessem se desenvolver de acordo com a cor de sua pele ou com a sua crença. Hitler sonhava com um mundo habitado por uma raça superior, os “arianos”, que existiria somente no seu país, e que deveria dominar sobre as raças consideradas “inferiores”, isto é, os negros, os judeus e todos aqueles que não aceitassem a sua ideologia e as regras do seu comando.

-E Deus? Deixa tudo isso acontecer?

-Deus criou o Homem, e deu a ele a liberdade de escolher o seu caminho. Às vezes, alguma minoria escolhe caminhos que aterrorizam o povo, e é preciso lutar, para que a liberdade da grande maioria seja preservada. O Nazismo e o Fascismo representaram uma ameaça mundial, e precisaram ser combatidos pelos países de Pensamento Livre. Deus há de pesar na balança aqueles que lutam em nome da LIBERDADE. Perdi o meu braço esquerdo lutando na trincheira que defendeu o mundo livre. Deus, meus filhos, deve estar envergonhado de tanta miséria humana, porque fez o Homem para viver em Harmonia com os seus semelhantes.

***

A imagem de pessoas lutando umas contra as outras, ferindo, matando...destruiu algo dentro de mim. Se meu pai dissesse que havia perdido o braço num acidente, seria mais fácil de aceitar as circunstâncias.

Foi a primeira vez que senti que a minha vida fazia parte de um contexto maior, chamado MUNDO. Senti que o meu destino, a minha situação humana não dependia apenas do meu pai, da minha mãe e de meus irmãos (e tampouco de Deus). Dependia também (e principalmente), dos grandes donos do poder, dos revolucionários e dos loucos, que, a qualquer momento poderiam traçar para todo um povo um caminho de morte e de dor.

Olhei para a minha pequena chama de vida (eu estava com 9 anos de idade), olhei para os meus sonhos que apenas começavam a florescer (e pensei nas outras crianças que, como eu, apenas estavam começando a sonhar as suas vidas). Olhei, desconsolada, para meus irmãos. Eu queria viver. Queria crescer e cumprir a minha destinação traçada por um Ser Superior. Naquele momento de minha vida, comecei a compreender a importância da PAZ. E também compreendi, no decorrer da vida, a importância da EDUCAÇÃO PARA A PAZ! E comecei a “torcer” para que os que detinham o Poder (e os eternos rebeldes) também compreendessem a preciosidade desta palavrinha, que contém dentro de si a Chama de milhões de vidas humanas.

Pensando na menina sonhadora que eu fui, e que existe aos milhares por todos os recantos deste nosso Planeta, minha alma volta a se emocionar. E sei que nos países onde o monstro “guerra” continua ceifando vidas, outras crianças talvez não tenham, como eu tive, a oportunidade de crescer e tornar realidade o Sonho Maior de um dia, pelo menos, escrever algo em favor da VIDA, da PAZ e da LIBERDADE... e sobre o SER verdadeiramente HUMANO que habita em cada um de nós.

Olho para muito além e acima deste SER HUMANO, e encontro a Mão Poderosa de quem realmente tem Poder sobre a destinação final da Vida. Eu O chamo de DEUS. E encontro a Sua Presença e Energia nas mentes, nas mãos e nos projetos dos que constroem ininterruptamente a PAZ!

E o caminho que leva à PAZ, é a EDUCAÇÃO.

O Futuro, é como uma Estrela que brilha nas mãos de cada um de nós. Vamos fazer essa Estrela brilhar, com toda a intensidade das nossas consciências, onde, para SEMPRE foi plantada a Semente pacificadora da Fraternidade Humana.

Saleti Hartmann

Poetisa e Professora

SALETI HARTMANN
Enviado por SALETI HARTMANN em 13/08/2009
Código do texto: T1751292
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