CAFÉ FILOSÓFICO COM LEITE
Olhou para todo o leite derramado da pia ao chão. A sujeira branca causou-lhe raiva.
Que cor haveria de ser pintada a raiva? Negra? Como a infusão de energias ruins que tingem a aura?
Ok! A negritude da raiva teria que esmaecer agora. Não fora isto que aprendera?
“Relaxe, e pinte todo o seu corpo de azul.”
Estava tentando, estava tentando...
A esponja dragava o líquido branco, enquanto a raiva mudava de cor.
Azul? Não. Diria que a raiva passara a ser cinza agora.
Enquanto a esponja tornava-se branca e o mármore da bancada ressurgia negro.
Ótimo! A pedra fria que sugasse toda a ira.
Enquanto a sujeira branca se perdia no ralo e a esponja recuperava a cor amarela, reafirmou a inutilidade de chorar sobre o leite derramado.
De sentir raiva.
De enfurecer-se por um deslize que era seu, exclusivamente seu.
O leite não se derrama. Você se distrai.
O chão não vem até você. Você cai.
A vida não machuca você. Você se expõe.
Secou os últimos vestígios molhados da pia ao chão.
Tudo voltara a ser como sempre foi. A esponja amarela; o mármore preto... A raiva ficara azul.
Tomou novamente a caixa de leite nas mãos. Começaria tudo outra vez. Com mais cuidado.
No armário repleto de xícaras buscou a sua preferida, lilás.
Sentou-se à mesa e, no caderninho de anotações colorido, registrou o devaneio.
“Derramamos o leite muitas vezes. E todos os dias ele está lá, em nossas geladeiras, apesar da raiva que tenhamos sentido.
A vida se derrama sobre nós muitas vezes. E todos os dias nós estamos lá, agarrados a ela, apesar de todas as difíceis emoções que tenhamos sentido.
Em vez de chorar sobre o leite, melhor saborear o que dele sobrou. Em vez de chorar pela vida, melhor viver a que ainda temos.”
Despejou o café preto sobre o leite branco na xícara lilás.
O líquido quente deslizou deliciosamente pela garganta causando-lhe o adorado prazer de todas as tardes.
Que cor haveriam de ser pintados os pequenos prazeres?
Tomou o caderninho colorido e desenhou, distraidamente, um arco-íris.