A Bosta da Vaca
Viajar para o campo é uma experiência - esqueça-se a aparente incoerência - sempre única. Os dias, de início, parecem curtos, ansiamos por tudo que é natural, as comidas rústicas, a água da mina, o cheiro de mato, o canto dos pássaros e outras manifestações bucólicas.
Posteriormente, esses mesmos dias vão-se alongando, as atividades vão ficando mais familiares, um pouco menos atrativas e começamos a nos misturar com a gente do campo. Começamos a, de certa forma, pertencer ao meio rural.
Caminhar por estas terras suscita peculiares impressões. Os moradores do campo levantam-se muito cedo, dormem cedo também, porque os afazeres exigem a plenitude do dia. São todos muito simples, nos modos e na erudição. Sua fala brota da essência matuta que os preenche e seu coração é tão puro quanto a terra que se pisa e donde se tira o sustento.
Todos cumprimentam. Uns de sorrisos abertos, outros mais acabrunhados, mas um balançar de cabeça e uma interjeição que o seja jamais se negam, seja ao munícipe, ao passante, ao estrangeiro. Hábito que estranhamos a principio. Na cidade, mal vemos o vizinho, e achamos ótimo isso. Quem é mesmo o caipira?
As casas são rudimentares, os quintais não têm piso, contrapiso, alicerce sequer, e as crianças não precisam de calçados especiais por isso. Aliás, quase não usam. Nós, sim. Imagine o perigo!
Quando percorro as estradas de terra batida, sinto-me invadido de vida por todos os sentidos. Uma verdadeira orgia sinestésica. O tempo todo, vejo animais, que me olham como um alienígena; escuto-os; posso tocá-los. A passarada, os caprinos, bovinos, suínos, equinos e tantos mais. Tem os bambuzais, os pinhais, as nascentes, que cantam e exalam. E os pastos? Os pastos são um caso à parte. Aquele cheiro de gado, de mato com bosta fertilizante e urina. Não é só essa composição orgânica, é um misto dela e de fragmentos de memórias da meninice, de histórias de avô, de um tempo que se perde e do qual só muito mais tarde se apercebe.
A privação de e-mail, Orkut, MSN, Google, a TV a cabo enfim - além dos contatos físicos que subsistem - impele-me a defrontar-me com a mais temível das companhias: eu mesmo. Nesse cenário quase primitivo, encontro aquele há tempos escondido, porque sempre perdido entre o real e o ideal, compelido entre os que mandam e os que obedecem, entre os que esperam e os que cobram. Sempre correndo por conta do horário, despertando ainda insone, evitando os riscos, fugindo às armadilhas, abrindo bem os olhos a fugir às trapaças, trancando bem a porta, o portão, a cara. Assegurando o carro, a casa, a saúde, a vida...
Talvez aqui, perdido num rincão qualquer do meu São Paulo, sem o conforto da metrópole, os agitos da noite, as opções culturais, shoppings, livrarias, bares e afins, mas cercado de verde e coberto de estrelas, eu possa dizer de minha tão almejada paz de espírito.