Sofrurça ( um causo real)

Meu cunhado é geólogo e, volta e meia eu o acompanhava pelas suas andanças pelo interior do Goiás. Terrinha da melhor qualidade, diga-se. Certa vez eu o acompanhei lá pras bandas de São João D’Aliança onde ele mapearia uma provável jazida de manganês, se não me engano. E se me enganar ele ta aí pra corrigir.. Chegamos na cidade e fomos direto para uma birosca, lugar certo para recrutar o pessoal da picareta e também comprar umas pingas para rechear os coquinhos que levávamos. Era engraçado ver a disposição da moçada quando perguntamos “ quem ta afim de trabalhar?” silêncio profundo. Era sempre assim, mas no final sempre aparecia alguns interessados e, lá íamos nós. Escolhido o local de acampar a prioridade primeira era encher os coquinhos com a cachaça e enterrá-los para apurar o gosto. Isso feito, meu cunhado foi morro acima com os homens,escolher os pontos onde cavariam os buracos para recolher as amostras de minério. Dava pena imaginar aqueles homens cavando buracos de 1 x 1 x 1 em pedra pura. Um dia, quando chegavam de volta da lida, lá pelas 18 horas, eu gritei bem forte. “ Quem não tomar banho não janta”. A resposta foi incontinente: “ Então nóis num janta”. Era muito bom, encher a cara de cachaça no coquinho, tomar banho de rio, ligar de manhãzinha o rádio Transglob da Philco, que meu cunhado não esquecia de levar para ouvir o Leporace e seu programa O TRABUCO. lá de São Paulo. Delícia de vida. Numa tarde eu e meu cunhado fomos até um sítio perto, onde tínhamos visto um laranjal. Batemos palmas chamando alguém e apareceu uma senhora bastante simpática que nos atendeu com um sorriso de poucos dentes mas franco e amigo. – Dona, podemos pegar umas laranjas? – Claro que pode sim, moço. Eu não chupo dessa laranja não. – E por que não? – é Que eu sofrurça . – Hem? Ham?. Olhamos um para o outro, sem entender patavinas mas fingimos cara de sabedoria e fomos às laranjas. A Senhora, como boa goiana que é nos convidou para um café com pão de queijo. Claro que aceitamos. Conversa vai, conversa vem,enveredamos pelo assunto de filhos e ela soltou a pérola. - Moço, eu caçulei treis veiz. – Hem? Ham? Dessa vez ela percebeu nossas caras abestadas porque riu abertamente e explicou. – É que treis vez eu pensei que era o último filho e não era. – Hanrã. Tem lógica, mas perguntar pelo “sofrurça” nem pensar. Nos despedimos e fomos para o acampamento, carregados de laranjas e uma incógnita espremendo nossas cabeças. O trabalho foi feito, o tempo passou e, um dia meu cunhado entrou porta a dentro da minha casa e disse. –Descobri, descobri o que a velhinha quis dizer com o “sofrurça”. – E o que é isso? Diz logo. – Cara, é mais fácil do que ver o Fluminense na segundona... E eu, como bom botafoguense, ri escancaradamente. – Sofrurça quer dizer sofro de úlcera.. Agora me diz com sinceridade. É bom ou não é bom viver essa vida dura? Bão por demais da conta.