Anotações de uma mulher comum. Só para os íntimos!

Sábado, 21 de fevereiro de 2009.

Acordo às quatro e meia da manhã com o canto insistente de um casal de bem-te-vis que parecia raivoso com algo que talvez ameaçava suas crias. Seria a Síndica???

Esses bem-te-vis, há muito fazem seu ninho na caixa de ar condicionado na parede do que agora é o meu quarto.

Antes, era do meu filho e ele não tava nem aí para as reclamações da síndica. Ano passado, depois que os filhotes voaram, (inclusive o meu) eu retirei um monte de coisas de lá. Esse ano vou fazer o mesmo. Norma é norma. E Graça é Graça. A Síndica não dá mole não! Fazer o que? Você mora no que é seu e não manda em nada. Não pode ter cachorro, não pode ouvir som alto, não pode pintar o exterior da cor que quer, não pode lavar o carro, não pode andar nua dentro de casa (a mulher do vizinho da frente faz um escarcéu na Assembléia), e muito menos ter ninho de Bem-te-vis na janela.

Bom, mas aí, me dou conta: É sábado de carnaval! Estou sozinha em casa. Decidi assim. Não fui pra Caicó, apesar das insistências da família, principalmente dos sobrinhos: “Tia, puta que pariu... não acredito que você não vem!”. As amigas, incomformadas, me chamam de traidora, traíra. Logo quem, eu, Inês de Chico Mota- como diria Max de Zé Pereira - foliã animadíssima, que junto com a cunhada, Eti, não perdia pra ninguém no Bloco do Magão.

Pois então. Faz dois anos que não piso lá no carnaval. O rei momo que se dane, porque eu quero é sossego. Tradução: Eu tô é ficando velha.

Ligo rapidinho o computador. Puxa vida! Nem um mísero recado no scrapbook do orkut; nenhum vivente online no msn; nada de artigo atualizado nos blogs que acompanho; nenhum e-mail novo, nenhum telefonema; nenhum som. Será que o mundo acabou ou então eu morri e não tô sabendo de nada?

Assim, saio muito cedo para caminhar, apenas para me assegurar de que minhas suspeitas não são reais. Vou até à praia de Ponta Negra. Vixi, a cidade tá um deserto. Às seis da manhã não há um pé de pessoa na rua. Que é isto? Natal é assim: tem Carnatal, o carnaval fora de época, mas fevereiro, não tem carnaval. Penso que 50% do povo tá espalhado pelas praias e os outros 50 se mandou pra Caicó.

Ah, a praia. Que maravilha! Muito linda, com um sol fantástico.Ainda que muita merda já jorra pra dentro delas através de ligações de esgoto clandestinas. Hoje, tô pouco me lixando pra isso. Vou caminhar até o morro do Careca, dar um mergulhinho, tomar uma água de coco e comer a polpa branca e tenra - que é a melhor parte.

É isso. O mundo não acabou não. Estou salva!

Há muitas pessoas por aqui já às sete da manhã. O percurso é um pouco longo e há tanta coisa curiosa pra ver. É a segunda vez que encontro aquela senhora caminhando com uma tira de esparadrapo tapando a boca. Não sou indiscreta e finjo não ver, mas olho por baixo dos óculos escuros. Aquilo me chama a atenção. Seria algum protesto? Ou ela só está protegendo os lábios? Mas isso não é da minha conta. Vamo que vamo pois ainda tenho muito chão pela frente.

As avós estão lá, brincando com os netos, cavando a areia e se divertindo. Os surfistas, também. Os vendedores de bugiganga estão por toda parte. E os caras das barraquinhas enchem o saco de todo mundo cobrando oito reais pela permanência debaixo de um guarda sol. Me inclua fora dessa, "brother", que hoje eu não quero sombra . Eu quero é sol e água fresca!

Já perto do morro, enquanto distraidamente leio a intrigante placa presa num pau e fincada na água com os dizeres “Atenção, Ostras!!! (só faltou o "esquerda, volver"!), o diabo de um cachorro da raça cofap, me abocanhou o mocotó. Por que logo o meu? Não foi nada, nem feriu, mas me deu um susto danado, o filho da puta! Será que tava revoltado porque não aparece mais na tv?

Morro do Careca, aqui tô eu. Cheguei! Mergulho, mergulho de novo e de novo... renovo minhas energias. Bebo minha água de coco, enquanto passa um policial que cuida do morro. Não pode subir ninguém lá. É área protegida. Tá certo. Mas não vi nenhum pra cuidar do povo a não ser um "Tourist Police" passeando no calçadão frente aos hotéis de luxo. E há ladrão que nem presta por aqui.

Hora de voltar. Mais uns sete quilômetros pra percorrer. Quando chego ao asfalto já são nove e meia. Vou tomar café na “Gosto de pão”. Esse café vai ser o almoço. Tempos de crise? Também. Só o que sei é que não vou cozinhar hoje de jeito nenhum. No máximo, más tarde, preparo um nissin. Aliás, estou ficando especializada en nissin. Inventei uma versão à mexicana. Além do nissin, acrescento pimenta.

Despois do farto café da manhã, continuo minha caminhada de volta para casa. Dicido entrar no Shopping Orla Sul. Nem sei extamente o que procuro alí. Ou melhor, sei: São os filmes bem baratinhos das Lojas Americanas. Compro quatro. Já vi três deles: "A Casa dos Espíritos", "Parente é Serpente", "Minha vida de Cachorro" e um outro que ainda não vi, "Tango", de Carlos Saura, e não sei se é bom como "Cría Cuervos".

Chego em casa, me banho e fico de papo pro ar, enquanto penso em como é bom de vez em quando ficar assim de bobeira, sem nada muito importante pra fazer. Mas, cinco dias, não seria demais? Lembrei-me de Sartre. O homem está condenado a ser livre? Só se for o homem. Eu não quero isso não! Mas vai acabar a moleza depois do carnaval. Retomar a todo vapor as aulas de espanhol, voltar à academia, malhar pesado. Com os exames de coração debaixo do braço, claro, porque como diz Esteban, meu amigo blogueiro de Chile, "la edad va en el rostro". Verdad!. O professor, sem sequer perguntar minha idade, disse que depois dos 40, é necessário apresentar os exames cardiológicos. Como é que ele adivinhou? Tá. Não seja por isso!

Agora, depois de registrar esses acontecimentos vou ver uns filmes. Já pus uma cerveja na geladeira e fiz um montão de pipocas para acompanhar. Tudo pronto!

Antes de desligar meu computador e sair, dou mais uma olhada nas coisas da Internet. Os blogs, O e-mail e msn. Não há nada.

O telefone mudo. Olho pela janela. Ninguém à vista. Nenhum som. Nem sinal dos Bem-te-vis. Já não estou tão segura assim. Por um momento, me ocorreu uma dúvida: E se eu morri mesmo e o mundo se acabou realmente e não me informaram nada?