A alma em gomos...
Águida Hettwer
Descasco a alma em gomos, para compor um verso. Faço-me de vítima, para arrancar uma lágrima, viro-me do avesso, me multiplico em mil faces para extrair um riso, mesmo que tímido. Talvez desvende meus segredos, quando saio de mim.
A noite conversa com o luar, em prosa originária. Sem decorar a letra, a musicalidade flui leve e solta. Anelando a palavra rude, em elogios ao ego, num sopro de vento que me distrai. Costurando remendos nas brechas rasgadas da alma, estendo os anseios nos varais nos fundos de casa.
Dou comida aos pássaros no para-peito das janelas, ciscam lentamente, como o piscar dos olhos. Na profundidade de um mistério, releva-se sensibilidade, em síntese da personalidade. Em face retocada pelo tempo, olhar marejado de silêncio.
Os cadernos de caligrafia guardam emoções arredondadas, colam cacos de vidraças quebradas, peraltices de crianças mal amadas. As antigas casas preservam vozes entre um cômodo e outro. No chão riscado, há traços de vidas cruzadas.
As madrugadas resguardam vestígios de febre, de cobertor embrulhado de gente, de xícara de chá, limão e mel para conter os espirros. No armário da cozinha, faltam caixas de remédios, para curar o tédio e noites mal dormidas. Há espaço sobrando na mesa, nos ombros e no peito. Na porta bateu apenas o vento das lembranças. Ninguém arrisca sair de casa em dia de chuva.
Nos porões entreabertos da memória, as cigarras cantam para embalar o sono e distrair a tristeza. As lembranças conversam entre si, no silêncio esparramado. Saudade do aconchego de um corpo morno, enrodilhado em sonhos.
11.08.2009
Águida Hettwer
Descasco a alma em gomos, para compor um verso. Faço-me de vítima, para arrancar uma lágrima, viro-me do avesso, me multiplico em mil faces para extrair um riso, mesmo que tímido. Talvez desvende meus segredos, quando saio de mim.
A noite conversa com o luar, em prosa originária. Sem decorar a letra, a musicalidade flui leve e solta. Anelando a palavra rude, em elogios ao ego, num sopro de vento que me distrai. Costurando remendos nas brechas rasgadas da alma, estendo os anseios nos varais nos fundos de casa.
Dou comida aos pássaros no para-peito das janelas, ciscam lentamente, como o piscar dos olhos. Na profundidade de um mistério, releva-se sensibilidade, em síntese da personalidade. Em face retocada pelo tempo, olhar marejado de silêncio.
Os cadernos de caligrafia guardam emoções arredondadas, colam cacos de vidraças quebradas, peraltices de crianças mal amadas. As antigas casas preservam vozes entre um cômodo e outro. No chão riscado, há traços de vidas cruzadas.
As madrugadas resguardam vestígios de febre, de cobertor embrulhado de gente, de xícara de chá, limão e mel para conter os espirros. No armário da cozinha, faltam caixas de remédios, para curar o tédio e noites mal dormidas. Há espaço sobrando na mesa, nos ombros e no peito. Na porta bateu apenas o vento das lembranças. Ninguém arrisca sair de casa em dia de chuva.
Nos porões entreabertos da memória, as cigarras cantam para embalar o sono e distrair a tristeza. As lembranças conversam entre si, no silêncio esparramado. Saudade do aconchego de um corpo morno, enrodilhado em sonhos.
11.08.2009