Tempestade no apartamento de cima

Mais uma noite em claro. Novamente raios e trovões explodem no apartamento em cima do meu. E como eu temo tempestades, acordei com o coração aos pulos. O que fazer? Esperar. Esperar mais um pouco. Mais quinze minutos. Mais quinze minutos e vai acabar. Bateram 02:00h e a coisa só piorava. Não tinha possibilidade de eu dormir, aliás, todos aqui em casa haviam acordado. Também não parecia que ia acabar tão cedo.

Vou pedir para o guarda avisar gentilmente que estamos escutando toda a discussão e que por isso acordamos. Escutei do meu apartamento a resposta da vizinha: - Eu nunca reclamo dos gritos do filho dela!

Fiquei estupefata. Primeiro, não sabia que o meu filho gritava de maneira que lhe incomodasse. Ele é um menino feliz e sadio. Talvez ele “grite” enquanto inventa que é um super-herói ou coisa assim, mas isso não acontece depois das 22:00h que é o limite da lei do silêncio do condomínio. Não costumo ter brigas com meu filho tarde da noite, bem, talvez, algum dia eu tenha reclamado que ele estivesse “enrolando” para ir escovar os dentes. Coisa rápida e nada violenta.

Segundo, pedi para o guarda interfonar para a sua casa para alertá-la de que estava nos incomodando, porque penso que, às vezes, não nos damos conta de que estamos atrapalhando a vida dos outros. Contei com o seu bom senso. Outra opção seria eu ficar indignada e no outro dia fazer uma reclamação formal e escrita, o que acarretaria em problemas maiores para ela.

Pedi que o guarda interfonasse novamente. Desta vez eu mesma iria falar com ela. A vizinha até que não foi tão mal-educada:

- EU ESTOU TENDO UM PROBLEMA SÉRIO!!!

- A senhora me desculpe, mas...

- EU NUNCA RECLAMO DO TEU FILHO! E O NO DIA QUE EU TENHO UM PROBLEMA SÉRIO...

- Senhora, eu sempre tolero suas brigas, vocês estão sempre brigando e eu nunca reclamo...

- EU É QUE SEMPRE TOLERO! MAS PODE DEIXAR, EU VOU ACABAR AGORA, MAS EU É QUE SEMPRE TOLERO!

- Bom, é que a senhora está dividindo o seu problema comigo e com a torcida do Internacional! ( Isso eu não disse, só pensei) O que tentei dizer foi: - Só gostaria de lhe pedir para...

- PODE DEIXAR MINHA SENHORA, PASSAR BEM!

Eu sempre digo que as palavras têm poder, que têm uma força enorme. Senti que não era bem o que ela queria que eu passasse, mas isso não vem ao caso. Tudo bem, refleti sobre tudo, digeri o que ela falou e como me tratou. Procurei entendê-la. Ela deve ter tido uma razão muito forte. Embora que, ela deve ter muitas “razões muito fortes”, pois ouço seguidamente brigas, batidas de portas por discussões, objetos sendo arremessados... “Fulana vem aqui!”, “cala essa boca, Fulana!”, “abre essa porta!” etc. Ah, e isso tudo depois da meia-noite, é claro.

Engraçado, apesar de tudo, de ter perdido o sono, já que acordei às 01:31h e agora são 04:35h, não guardo rancor. Ao contrário, tenho um pouco de pena. Afinal, o que leva uma mãe a brigar tão desesperadamente? Que aflições a levaram a gritar tanto e levar sua filha a um choro agonizante? O pior é que ela deve estar com raiva de mim. Jamais acreditará que não quero o seu mal. Nunca trocamos mais do que um “oi”. Contudo, juro que a minha vontade foi de oferecer-lhe meu ombro, de lhe ouvir. De lhe pedir que refletisse melhor de como fala com suas filhas. De lhe pedir para ter mais calma. Ela, como a maioria das pessoas, não acreditaria na minha sinceridade, portanto, nem me escutaria.

Na verdade, imagino que ela veria a minha atitude como uma afronta, um desrespeito, um insulto. Talvez eu mesma agisse assim no caso contrário. Será que não? Não sei. Só sei que quando estamos passando por turbulências tendemos a enxergar tudo cinza e assim, um ato de solidariedade poderia ser encarado da pior maneira possível. Que pena!

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