O escovão

Quase todo o piso de nossa casa era em tacos de madeira. De vez em quando seu João, que era jardineiro e limpador de chaminés, vinha raspar o chão com palha de aço. Em seguida, passava cera e até que ela secasse ninguém podia andar pela casa, pois era o mesmo que caminhar sobre um local ensaboado. Mais tarde seu João voltava e esfregava um escovão pesadíssimo, para dar brilho. Nessa época já existia a enceradeira, que nada mais é do que esse escovão elétrico, mas lá em casa não tinha. Quem garantia o brilho era mesmo o muque do jardineiro.

Certa vez, antes que tivesse começado a função do esfrega, enquanto a cera ainda secava, papai, vestido de terno branco, pôs os pés no primeiro degrau para descer a escada. Não foi preciso que ele colocasse os pés nos outros, pois escorregou ali mesmo e foi sentado que chegou ao andar de baixo.

Atraídos pelo barulho, corremos todos e chegamos a tempo de vê-lo se levantar resmungando, todo manchado de cera vermelha. Ficamos espantados. Não imaginávamos que tal coisa pudesse acontecer a um Pai.

Para nós, crianças, era mais plausível ver o pai voando como o Super-Homem.

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Esse texto, escrito há tempos, já foi publicado na Usina de Letras. Hoje volto com ele aqui em homenagem a meu pai.