UM SABOR DA INFÂNCIA
O alvo era aquele picolé de milho verde. E como esperava pela oportunidade de sorver aquele deleite. Naquele tempo não era comum crianças de minha idade receberem mesada e nunca tínhamos dinheiro na mão pra fazer o que bem quisesse.
Em época própria, recebia a notícia que o bar do Senhor Orlando estava fazendo novamente o picolé de milho verde. Depois de cumprir os mandados de minha mãe vezes seguidas, sentia no direito de reivindicar um trocado para adquirir o tão esperado picolé. Para isso existia um ritual todo próprio. Após sair da mercearia, tendo realizado a compra que mamãe mandara, atravessava a praça e me dirigia ao bar. Pedia o meu picolé, sentava no banco da praça defronte, colocava a compra no banco e começava a saborear o petisco. E o fazia devagarinho, e me sentia flutuar... Parecia um sonho que não podia acabar.
Aquele sabor ficou cravado na minha memória sensorial, ainda hoje o sinto como se o sorvesse, pedaço a pedaço. E penso que o paladar das crianças é muito diferente, por isso que elas agradam de certos alimentos e guloseimas que, para um adulto é difícil degustar. Mas, o sorvete daquele bar era mesmo apreciado por pessoas de todas as idades, creio, mas o sabor especial que criança sente, esse ninguém pode sentir, estou certa.
A água é muito importante em uma degustação pois lava as papilas gustativas e retira o restante do vinho bebido para novamente se possa sentir as nuances da bebida. Então, penso nos degustadores de vinho que precisam beber água entre um teste e outro, entre um gole e outro, para identificar a safra e a qualidade do vinho, e afirmo que nem as águas de todas as cachoeiras do mundo poderiam libertar essas sensações gustativas e olfativas, da plenitude do céu perpetuado em mim, por aquele picolé do bar do Senhor Orlando e de Dona Anésia.