Tijolão versus Ladrão
 
   Sinceramente eu queria um dia poder sair do meu corpo e me ver andando na rua. Queria saber qual a cara que faço, qual meu jeito de andar e qual a impressão que passo. Muitos dizem que sou nojento, meio sério demais. Nunca entendi porque diziam isso, mas depois parei para pensar que deve ser a famosa primeira impressão. Acho que outra impressão que passo para as pessoas é de ser um bocó.
   Para se ter uma idéia, já fui assaltado sete vezes. E sofri um quase assalto. Acho que na minha testa enorme deve ter um outdoor que só assaltantes enxergam escrito “Vem que tem dinheiro fácil!”.Você deve ter achado graça, né? Mas aí vem algo mais incomum e até cômico: o tal quase assalto.
   Era domingo ou sábado. Só sei que era um final de semana. Eu estava no bairro da Tijuca, zona norte do Rio de Janeiro. Um lugar onde os moradores são metidos a ricos só porque acham que a Tijuca é a Copacabana da zona norte. Só nesse maldito bairro que eu tanto adorava eu fui assaltado cinco vezes. Cinco vezes! Enfim, eu saía de um clube após um dia inteiro na piscina.
   Eu estava com um amigo meu. A gente estava indo à piscina, pois acreditávamos que o bronzeado da água doce era mais bonito que o da água do mar. Saímos umas quatro da tarde e, por falta de dinheiro (no meu caso eu tinha dinheiro mas não queria gastar e muito menos pagar a passagem dele) resolvemos voltar para casa andando. Era longe, mas dava para ir andando.
   Pegamos a rua em frente ao clube e começamos a caminhada. Meu amigo carregava uma mochila e eu não. Não gostava de sair de bolsa. Continuamos andando pela rua de residências. Ela estava deserta. Provavelmente era domingo. Isso mesmo, era domingo. Agora lembrei.
   Foi então que mais a frente vinham dois sujeitos. Um sobre uma bicicleta e o outro a pé. Aproximaram-se nos encarando. Até que o que estava a pé deu um salto para perto de nós e nos rendeu colocando a mão sobre algo em sua cintura.
   -Parou, playboy! Perdeu na moral! Passa o telefone!- disse ele em um tom de voz suave porém ameaçador.
Gelei. A sensação de ser assaltado é horrível. O estômago se solta, o esfíncter breca, a cabeça pesa. É uma sensação um pouco pior do que quando seu time está empatado na final do campeonato aí sofre um pênalti aos quarenta e seis do segundo tempo. O pênalti pode dar o campeonato se o gol for marcado.  Caso ele perda, já era, “baubau”, mais uma vez vai ser vice. Aí a tensão vai aumentando e você lembra que apostou quinhentos reais com se cunhado. O jogador perde o pênalti. Imagine algo pior que isso e veja que dureza eu passei por sete vezes.
   Meu amigo tomou a frente e disse que não tinha celular.
   -Ah filho da puta!-gritou o da bicicleta. -Pode passando o aparelho celular!
   Confesso que fiquei surpreso com o vocabulário do rapaz.  “Aparelho celular”? Está aí uma expressão que não se escuta todo dia.
   Ele puxou a mochila do meu amigo e começou a revirá-la.
   O que estava a pé se aproximou de mim. E ficou me olhando.  Gelei ainda mais. Quis correr. Quis desmaiar. Quis até simular um ataque. Mas ele se adiantou.
   -Me passa o celular,”cumpadi”!-pediu com certa educação estendendo-me a mão.
   Eu havia perdido um outro celular seis meses antes. Lá estava eu de novo, perdendo algo meu para um outro sujeito. Levei minhas mãos até o bolso de trás de minha bermuda e retirei meu NOKIA. Era um NOKIA quadradinho que todo mundo tinha. Não lembro o nome, ou o modelo, mas sei que era um que tinha nas cores cinza e azul claro. Algo assim.
   Tremendo de medo e quase me borrando, passei o tal aparelho celular a ele. Meu amigo já havia sido liberado pelo seu assaltante. Agora me aguardavam. Ele olhou para meu celular. Ergueu a sobrancelha, e esticou a mão em minha direção. Juro que não entendi. Fiquei ainda mais surpreso quando escutei um “Toma!” vindo daquela boca sem dois dentes.
   O que estava na bicicleta tomou o celular das mãos de seu parceiro de crime.
   -O que tu tá fazendo,cara? Pega o celular!
   -Devolve essa porra!-disse o meu assaltante.
   -Porquê?
   Ele pegou o celular de novo e me entregou.
   -Olha o tamanho disso! Olha o tamanho dessa merda! Devolve esse tijolão!-disse o ladrão por fim me devolvendo.
   Eles se entreolharam.
   -Mete o pé os dois! Corre porra!-gritou o da bicicleta colocando sua mãos esquerda sobre algo na sua cintura.
   Me preparei para correr e só peguei velocidade após levar um chute na bunda.
   Meu amigo me acompanhou. Corremos até o fôlego acabar.  Paramos numa esquina e respiramos fundo. Na minha cabeça eu fiquei pensando: “Que ladrão filho de uma puta!”. Vai dizer que você também não ficaria injuriado? O cidadão te aborda, te humilha. Se acha no direito de criticar seu celular porque ele é grande,e de quebra, ainda te chuta na bunda? Sabe o que passou pela minha cabeça(já longe dos dois,claro)? Agarrar um deles pela gola da blusa, olhar no fundo dos olhos deles e dizer: “Agora tu me rouba!”
   Até hoje não sei se eles estavam de fato armados. Ou também porque queriam o celular. Não pediram nem carteira,nem mais nada. Pediram somente o celular. Acho que eles devem achar que todo mundo hoje em dia possui um telefone móvel.
   Voltamos andando para casa sem dar um pio. Estava aliviado e injuriado, e digo ainda que com vergonha por conta de meu celular ter sido rejeitado. Mas pelo menos fiquei com meu APARELHO CELULAR, que só foi me deixar dois anos depois afogado na privada de um banheiro de shopping. É engraçado né? Eu posso dizer aos meus filhos que o pai deles foi um “quase-assaltado”.

Fael Velloso
Enviado por Fael Velloso em 09/08/2009
Reeditado em 09/08/2009
Código do texto: T1744956
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