Folheando páginas de meus sonhos ...
Tudo bem, todavia, o tempo corria bem lento
Estava eu ali, bastante atento, ouvindo pardais
À sombra, e admirando aquele tão belo lago
O parque é um bom local para nossa meditação
Desde que não se pegue no sono desprevenido
Tem lá muita gente de todos os lados, e tipos
Por falar em sono, meus pensamentos voavam
Folheei devagarinho páginas dos meus sonhos
Muitos deles foram - e são - bem terapêuticos
Outros - pouco ou nada atraentes - pulei páginas
Buscava mesmo eram algumas páginas especiais
Terminei por encontrá-las sem grande esforço
Que sonhos! Pensei até que a vida em nada mudara
Neles eu vi - surpreso e admirado - o tempo retornar
Parecia tão real: Meu pai estava ali, tão cheio de vida!
Naturalmente, olhei tudo em volta, bastante surpreso
Nossa casinha estava bem ali, tão doce e tão simples
Meus irmãos todos pequeninos, e alegres inocentes
Quantas algazarras fazíamos todos os nove peraltas
Também lá estavam Pedro e Inhô, meus tios irmãos
Minha mãe brincava, muito jovem, e sempre criativa
Sabia - e ainda sabe tão bem - manter o bom humor
Nos fundos, cantavam as mesmas aves domésticas
E latia o Til - nosso cão - o mais amigo e carinhoso
Que muito nos divertia nos dias de semanas santas
Coisas de rir muito, quem o vestia, senão minha mãe
Ao fundo, o Cine Itabira, filmes revistos várias vezes
Os pés de goiaba e laranja eram meros espectadores
Frutas que é bom mesmo, ninguém deixava nascer
De repente, eu saía à rua: estava na pré-adolescência
-"Oh! revejo-a como antes, subindo a ladeira, tão linda!"
A garota que me paralisava tudo, e tanto me encantava
Na varanda dos vizinhos da frente eu via o velho Taim
Que trazia juntas consigo a serenidade e a sabedoria
A sensual e bela morena se expunha ao sol ardente
Naquele quintal de muitas flores e árvores frutíferas
E eu na ladeira toda calçada com pedras de hematita
Observei o adro da igreja da Saúde, ainda intacto
Havia uma escada à frente, com uma oficina no canto
Beirando a Dom Prudêncio, dois belos jardins gramados
Do outro lado - já aposentado - o centenário cemitério
Um pouco abaixo, avistei Dona Alaíde em seu alpendre
Sô Quincas Lage saía pilotando sua exótica "Baratinha"
Os amigos Antônio Lívio e Afonso empinavam papagaios
Trepados no telhado de nossa casa, não sem meu apoio
Minha mãe pedira-me que eu fosse ao Bar Nova York
Sempre era eu, o mais velho, a comprar as quitandas
Desci pela Dom Prudêncio mesmo, virando à esquerda
Rua Dr. Alexandre Drummond, repleta dos engraxates
Já na esquina, a Casa Silva Leite, depois a Nova Aurora
Sô Pedro, como de costume, de pé na porta da loja
Do lado direito do Cine Itabira, o pequenino Bar Lunik
Logo depois, passei pelo cinema e cheguei ao Nova York
Comprei a quitanda pedida por mamãe e logo saí do bar
Passei frente ao Sô Antônio Barbeiro e ao Valdir Moura
No Sô Antônio brincavam sempre comigo: "Oi Dodôzinho!"
Eram o Jaguarão, o Neném e o Zezé, vascaínos declarados
Parei no Zé Tãozinho, cumprimentei-o e à Dona Terezinha
Perguntei pelo Afonso, meu colega do Grupo Major Lage
Admirei a fonte luminosa na pracinha da frondosa árvore
Recanto do meu primeiro beijo nos lábios de bela ruivinha
Por detrás da pracinha se via a loja do Sô Antônio Porto
Ao lado, o casarão barroco em que morava o Chico Rato
Observei os sobrados da Nhá Olga, e do Sô Abel Camilo
Via-se ainda os sobrados do Sô Rosinha e o do Zé Rosa
Fugi um pouco do trajeto em busca de um bom refresco
Fui ao Bar Colúmbia - do Tiãozinho - debaixo do Zé Rosa
Logo perguntei: -"Tiãozinho, tem picolé quebrado hoje?"
Sempre dócil, ele dava-nos os picolés quebrados de graça
Retorno à esquina e vejo mais ao fundo a Rua do Bongue
O Paredão estendia-se bem abaixo daquele beco íngreme
Se pintor eu fosse, seria aquele um belo quadro a pintar
Subi rápido a ladeira de minha casa e reaproximei-me
Que boa surpresa! Lá chegava meu querido avô Zé Gregório
Morava há um bom tempo em Monlevade, vinha muitas vezes
Conversei por ali algum tempo, quando lembrei-me de algo
Teria de ir bem rapidinho à casa da minha madrinha Vitória
Já entardecia, e mais cedo eu armara uma arapuca por lá
Desci depressa a Dom Prudêncio e virei à Rua Água Santa
Ao passar pela esquina, Sô Tote e Gentil me cumprimentaram
A velha casa Sampaio alojava-se no sobrado do Sô Quintão
Mais à frente acenei para o Sô Norberto e Dona Marcelina
A velha Dona Joana tricotava como sempre no Hotel Christiano
Já ali, eu acabara de alcançar a Casa Coelho, do Geraldo Coelho
Localizada debaixo do grande sobrado do tio Quinquim Julião
Em casa da minha madrinha, cuidei logo de desarmar a arapuca
Libertando uns quatro sabiás, presos ao tentar comer abacates
De súbito, já caía a tarde, quando Lídia e o Casemiro dialogavam
Enquanto isso, Maura ainda fazia doces, e a Brasilina, o jantar
Ainda observei minha madrinha à máquina de ponto a'jour
Retornei ao adro da Saúde, era a hora da coroação de Maria
Aliás, já estava finalizando, melhor seria ir pra porta da Sacristia
Lá, sempre distribuíam uns cartuchinhos de amendoim e pirulitos
Logo, chegara a hora do "footing", grande atração das noites
Fiquei bem em frente ao Cine Atlético, junto de alguns amigos
Dali, a gente ia até o final do Paredão, flertando as mocinhas
Como de praxe, parava-se diversas vezes durante o percurso
Mandava-se recados, e os recebia também, das admiradoras
Tantos jovens sonhadores e esperançosos, ilusões acirradas
Como éramos tão felizes naqueles anos de nossas vidas!
Pra revivê-los, e afastar um pouco a saudade, somente sonhos
Contudo, esta página se passou, e no parque a noite já chegava
Do lado de fora chegara a hora do "rush", poluição sonora intensa
Sendo assim, também chegara o momento de fechar esta página