Pai...

Intuição de pai. Não é muito de ficar pedindo presentes, mas quando encontra algo na mesa embrulhado, ou vê o comportamento diferente dos filhos, logo percebe que vem presente por aí. O dia dos pais não é uma data tão forte como o das mães, mas mesmo assim merece ser lembrada. Assim foi com o pai, que agora esperava um presente da filha que há pouco havia arranjado um emprego e teria condições de comprar um presente. Não exigia muito, podia ser até uma agulha ou um botão para a camiseta, mas saberia que também teria algum valor. E lá estava o embrulho sobre a mesa. Não tinha cartão, não tinha mensagem. Só podia ser dele e para ele. Abriu, era um barbeador elétrico. "Barbeador elétrico? Mas eu nem tenho barba!". Presente não se discute. A noite, assim que a filha voltou do serviço, foi até o quarto dela para agradecer.

- Olá filha, muito obrigado pelo presente. Eu adorei o barbeador.

- Presente? Barbea... oh meu Deus!!!

- O que foi? Não era para mim?

- Não! Quer dizer, sim... é que, bem, hummm... é que ainda não é domingo.

- Eu sei, é sábado, mas não resisti e estava em cima da mesa.

- Meu Deus, eu e a minha cabeça. Que bom que gostou pai.

- Parece nervosa?

- Nervosa, eu? Capaz. Agora o que eu vou dar?

- Dar o quê?

- Não, estou apenas conversando comigo. Ele não veio estragado? Algo que possa usar para trocar?

- Estragado? Não, eu ainda nem usei. Eu nem tenho barba, mas logo vou usar.

- Ah, então eu posso pegá-lo e trocar por outro.

- Capaz! Eu adorei.

- Não! Eu posso.

- Não, eu disse que adorei.

- Mas eu não.

- Não? Então por que comprou?

- Porque, bem, como assim porque... Porque sim!!

- Você está estranha. O presente não era para mim, não é verdade?

- Era sim. Claro que era. Para quem mais poderia ser? Para um outro pai que eu não tenho? É lógico que não. Só você é meu pai.

- Por que está falando rápida?

- Eu falando rápida? Quem disse? Acho que é coisa da sua cabeça. Eu, falando rápida. Besteira. Mas e então como foi o serviço hoje?

- Sou aposentado filha.

- Ah, é verdade. Sempre confundo. Quer dizer, sempre... sempre esqueço disso.

- Esquece? Que está acontecendo?

- Nada.

- Por que está olhando para a janela agora?

- Pai, preciso contar uma coisa. Eu não sou sua filha.

- O quê?

- É, eu não sou sua filha. Minha mãe me falou disso faz uma semana, antes dela morrer. Mas moro contigo há muito tempo, seu lugar no meu coração está reservado para sempre e ninguém vai ocupá-lo.

- Eu não sou seu pai? Está falando sério ou apenas me assustando?

- Pai, eu nunca faria isso. Até eu estou confusa.

- Então o presente era para...

- Ele. Isso mesmo!

- Bom, eu não tinha gostado mesmo. Quem é ele?

- O Alcides.

- O Alcides? Da padaria?

- Não, do açougue.

- É uma sorte que a sua mãe já tenha morrido, senão hoje seria o dia do velório dela.

- Eu sinto muito pai, mas você ainda continuará sendo o meu pai de sempre.

- Obrigado filha.

- Aproveitando, será que poderia me emprestar uma grana? É que gastei com o presente do Alcides e sabe né... balada, sábado a noite...

Eduardo Costta
Enviado por Eduardo Costta em 07/08/2009
Código do texto: T1741667
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