Antimatéria
Certo jornalista de extenso currículo me disse uma vez que tudo rendia uma matéria, e ilustrava sua afirmação com o exemplo: "Tem equipe de reportagem que vai até o porto para fazer a inauguração de um navio e volta sem nada porque o navio afundou!"
Concordo com seu ponto de vista dentro desta perspectiva, mas ele, em sua vasta experiência, se esqueceu de um outro ângulo, com o qual por vezes me deparo dentro do jornalismo factual, e que gosto de chamar de antimatéria.
O suicídio!
Emissora nenhuma exibe este tipo de caso. Já passei por situações onde, após horas de plantão, a matéria simplesmente caiu quando descobrimos tratar- se de suicídio.
As explicações das redações são várias:
"É depressivo demais!"
Ou então:
"Pode incentivar outros a fazerem o mesmo!"
Há também:
"Não é ético!"
Mas em minha opnião trata- se do reflexo de um fato ocorrido há muitos anos e que foi exibido pelo extinto jornal policial "Aquí e Agora".
Essa passagem ficou conhecida como "Suicídio ao vivo", e mostrava exatamente isso, uma garota se jogando de um prédio ao vivo.
Na época isso foi extremamente repudiado por toda a comunidade jornalística, desde então o suicídio tornou- se um dos dogmas éticos da profissão.
Dias atrás passei por uma situação que considerei semelhante e que fez com que eu me sentisse muito mal, mesmo sem estar envolvido com ela diretamente.
O repórter de uma emissora concorrente (um rapaz novo de profissão e com toda a gana de conquistar seu espaço ao sol) convenceu uma mulher, que estava entre os curiosos que acompanhavam nosso trabalho, a ir até a casa da mãe de um rapaz, morto na chacina que cobríamos, e dar- lhe a notícia da morte do filho.
O repórter com quem eu trabalhava nesse dia insistiu para que fossemos junto.
De imediato avisei que não iria gravar uma situação dessas, consciente, ele concordou, mas pediu que me mantivesse próximo, caso a mulher se interessasse em dar entrevista.
Me mantive na esquina da rua onde morava a mãe do rapaz, acompanhando com o olhar a descida dos dois jornalistas e do cinegrafista da outra emissora, que gravava todo o percurso até a casa.
Mesmo distante, podia ouvir os gritos da mulher quando recebeu a notícia.
Houve um momento de tensão quando, vendo que a mulher passava mal, um dos repórteres começou a gritar para que alguém chamasse uma ambulância.
Não fiquei muito mais tempo do que isso naquela esquina. Voltei para o carro e esperei o meu repórter, que apareceu alguns minutos depois.
No dia seguinte ví a matéria na outra emissora, cujo apresentador do jornal ainda pedia para reprisar o momento em que a mãe era informada da morte do filho.
O resultado não podia ser outro, todos os profissionais de jornal impresso, rádio e televisão do horário ficaram indignados com o apelo imoral daquela matéria e com o repórter que a fechou. Repórter esse que, muito constrangido, dizia que nunca mais faria algo deste tipo. Mas era tarde, já estava feito!
Fico pensando no que poderia ter acontecido caso aquela mãe tivesse infartado naquele fatídico momento, já que os jornalistas haviam perdido sua imparcialidade no momento em que induziram alguém a dar uma notícia que não lhe cabia.
Passaram a fazer parte da informação e não apenas a transmiti- la.
Situação parecida ocorreu no caso Eloá, quando muitos apresentadores de TV passaram a conversar com o sequestrador, função que era da polícia!
Pode até ser que tudo renda uma matéria! Mas não se pode fazer de tudo por uma matéria, pois isso pode implicar em passar por cima de questões éticas e morais que podem destruir uma carreira, e até vidas, como no caso Eloá!