ATRIZ ANTÔNIA MARZULLO, MINHA AVÓ
ANTÔNIA MARZULLO, MINHA AVÓ
Nelson Marzullo Tangerini
A Moreninha, peça baseada no romance do mesmo nome, de Joaquim Manuel de Macedo, foi o último trabalho de Antônia Marzullo no teatro.
A atriz, que contracenava com a filha, Dinorah Marzullo, e com a neta, Marília Pêra, já não conseguia memorizar o texto: sofria de Mal de Alzheimer, diagnosticado, na época, como esclerose.
Na verdade, Antônia substituía a atriz Sônia Oiticica, que, por motivos pessoais, abandonava o trabalho.
Pouco antes de Sônia morrer, conversei por telefone com a atriz sobre a entrada de Antônia na peça.
“- Fiquei muito preocupada com sua avó. E chocada. Antônia não conseguia mais memorizar o texto. Estava muito nervosa. Tive muita pena dela. Não era mais aquela Antônia Marzullo que eu conheci. Mas tive paciência com ela, tentei ajudá-la, por um tempo, lendo o texto junto com ela, para que ela o memorizasse.”
Em casa, Antônia chegou a dizer para sua filha mais velha, Dinah Marzullo Tangerini, que estava muito insegura, nervosa, pois não conseguia mais memorizar o que estudava.
A Moreninha, com Antônia, talvez por esta razão, não ficou muito tempo em cartaz. Mas registrou o encontro de três grandes atrizes da mesma família.
No final de julho, Antônia recebeu uma proposta para trabalhar no filme “O menino e o vento”, que seria rodado no interior de Goiás. A atriz viu uma nova porta se abrir para ela. Sorriu, encheu-se de esperança e convidou seu neto mais velho Nirton Tangerini para acompanhá-la na viagem. Talvez pressentisse que algo estava a caminho. O convite foi aceito pelo futuro biólogo e estudioso das lepidópteras brasileiras. Com um largo sorriso em seu rosto, disse-nos, orgulhosa: “ – Viajarei acompanhada de meu neto”.
A viagem, porém, não aconteceu. Antônia ficou gravemente enferma em nossa casa, em Piedade, onde morava.
A atriz saiu de casa para receber seu pagamento, na Praça da Bandeira, e não encontrou o banco. Mesmo com pouca memória, Antônia conseguiu encontrar o caminho de volta para casa. Deitou-se em sua cama e pediu que ninguém a acordasse, pois estava muito cansada. E entrou em coma.
Nervosa, minha mãe mandou chamar um médico que nada resolveu, mas garantiu que Antônia estava viva.
Imediatamente, minha mãe mandou chamar os irmãos Maurício e Dinorah Marzullo. Os dois chamaram uma ambulância que percorreu todos hospitais e todas as clínicas do Rio de Janeiro. Sem sucesso. Não havia vaga em lugar algum. Rumaram, então, para Santa Tereza e encontraram vaga na Clínica Santa Cristina, onde Antônia ficou algumas semanas, até morrer, no dia 29 de agosto de 1969.
Quase todos os dias pegava o bondinho de Santa Teresa para visitar minha querida avó. A lado dela, o sempre companheiro José Pinto da Costa, o Dindinho, agora tenso e preocupado com o estado de saúde de sua esposa e amiga.
Ao longe, lá no Passeio Público, o Relógio da Mesbla apunhalava-me o coração. Parecia que contava o tempo de minha avó na Terra. Suas batidas gélidas, secas, tristes, fúnebres, que iam buscar-me em Santa Tereza, por muito tempo me fizeram lembrar de minha avó. Quando as ouvia, na Cinelândia ou na Lapa, era do sofrimento de minha avó que me lembrava.
E quando a poeira baixou, lembrei-me do que minha avó dizia para nós, sorrindo: “Nasci em Santa Tereza; quero morrer lá”.
Gostaria que meu depoimento fosse lido por todos - parentes, amigos, atores, atrizes, gente que simplesmente ama o teatro e o cinema - e que Antônia Marzullo fosse lembrada em seus 40 anos de morte. Ela deixou seu nome escrito na História do Cinema e do Teatro do Brasil.
Amo-te muito, vovó.
Nelson Marzullo Tangerini, 54 anos, é escritor, jornalista [ABI], poeta, compositor, fotógrafo e professor de Língua Portuguesa e Literatura. É membro do Clube dos Escritores Piracicaba [ clube.escritores@uol.com.br ], onde ocupa a Cadeira Nestor Tangerini.
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