O porsche
O porsche estava chegando. A maior rede financeira cobriria o evento. Era o novo espetáculo televisivo. O porsche chegaria para levar o enxadrista até a rede de televisão. Ricardo, o grande vencedor da noite, passaria o tempo todo como pano de fundo da cena. O desafiante ficaria de costas, como uma sombra, e ainda por cima, servindo-lhe a dadivosa quantia de um milhão de reais. De sopinha. “A palavra sorte se converterá em show, revelava, e essa era a chave do sucesso”. Quem apostasse nele poderia ganhar os melhores prêmios. Quanto ao adversário, humilde e oculto, haveria o quinhão de certa parte sobre o prêmio acumulado das apostas. Resultado: um jorro de distribuição de renda, apenas por jogar com ele.
Na data da estréia desceu do avião, subiu no porsche com a calma dos mortais, para explodir em brioso xeque-mate em poucos lances. A última coisa que faria seria aceitar o desafio contra computador. Isso nunca! Computador era algo que lhe parecia um homem atrás das suas costas, sufocando-lhe com as fibras mais resistentes da paranóia.
No trajeto o porsche transitava suavemente pela rodovia vazia. Os pneus do carro deslizavam sob o chão molhado pela chuvarada ainda fresca. Aquaplanava como libélula por sobre o arco-íris nas luzes da água que escorriam pelo pavimento. A mulher exuberante e calada dirigia excepcionalmente bem. Ela lhe entregaria o prêmio após a partida durante todos os sábados à noite. Temia que o dinheiro, aquela fortuna cintilante, tão coruscante quanto um raio de luz numa barra de ouro, lhe fossem prejudiciais aos seus deveres de marido. Ele que era um homem reto feito de tecido explicativo. A vida profissional que levava era essa, com suas peças e roques. Tudo o que tinha a fazer era descer do avião, pegar o porsche, olhar sensualmente para o corpo da condutora, subir até a emissora, e, finalmente, jogar a partida de xadrez. Logo receberia um milhão de reais por isso ter sido o primeiro lance da brincadeira televisiva. Programa: “Prove como é direito dar um milhão de reais, caso quiser jogar uma partida de...” Tudo correto, bem lavrado, escorreito. Ou seria censurável receber uma bolada apenas para jogar o Jogo dos Reis?
No próximo programa estava programado para receber o seu adversário da noite com uma novidade. Daria um porsche ao parceiro desconhecido, caso houvesse algum lance brilhante, algo como um duplo de cavalo, após captura, numa saída de xeque. Daria o porsche surpresa, mas não lhe daria a moça.