Uma estrela no céu
Para Zé Poeta, pai de Tábata (em memória)
Minha ex-namorada e amiga Luciene convidou-me mais ou menos em 2008 para participar da formatura. Concluiria o bacharelado em química e telefonava-me para que não assumisse nenhum compromisso em 2009 de modo que, em janeiro deste ano, os pais e eu viajamos para Indaiatuba.
Saímos no sábado de madrugada, chegamos na hora do almoço, passamos a tarde na casa da tia e à noite, depois de esperar sua chegada do salão de beleza, partimos para Sorocaba, onde ela estudava. Ficamos até o fim do baile. Cheguei às seis horas da manhã e às oito e meia o pai dela já gritava apressando-nos para tomarmos café, almoçarmos e pegarmos o caminho de volta para casa.
Alguém me perguntou se minha namorada não sentia ciúmes. Luciene havia sido minha namorada, agora era minha amiga, convidara-me para as festividades e eu percorrera quase quinhentos quilômetros para isso. Falei que não tinha problemas. O alguém insistiu, perguntando por que gostava de Luciene a ponto de deixar meus afazeres.
Todas as mulheres – e também os homens – nascem iguais. As mulheres são estrelas. Nascem como estrelas do mar: escondidas, na lama, na escuridão, insignificantes, feias. As estrelas do mar têm a possibilidade de evoluir e se transformarem em estrelas do céu ocupando um lugar essencial, de grande visibilidade, cheias de luz para iluminar os caminhos mais diferentes e inspirar idéias. Tão importantes quanto o ar, a água, a comida, a poesia, a Literatura ou a música. Lindas, fabulosas, indescritíveis.
A maioria das mulheres nasce estrela do mar. Sempre será apenas estrela do mar. Entretanto, algumas têm a capacidade de mudar o rumo das próprias vidas, de transformar as situações mais melancólicas num espetáculo de beleza extraordinária, poética e musical: essas são as que abandonam a escuridão do mar e se transportam elegantemente ao céu. Luciene, Adriana (minha namorada), minha mãe, Dona Laura, Dona Isaura e dezenas de mulheres são estrelas do céu.
Semanas atrás meu pai entrou na cozinha nos comunicando da morte de Tábata, filha de Zé Poeta. Lembrei-me que tínhamos ido doar sangue para que ela fizesse uma cirurgia. Pensei em prestar solidariedade ao Zé Poeta, mas as circunstâncias me impediram de encontrá-lo. Pretendia dizer-lhe palavras de consolo, de conforto, de ternura, porém percebi que estava errado. Por que ficar triste?
Ao assumir uma cadeira na Academia Brasileira de Letras, o escritor Guimarães Rosa disse que as pessoas não morrem. Elas ficam encantadas. Observando por esse ângulo, encantadas ficam as imagens, as falas, os momentos e as aventuras encenadas por pais e filhos. Quando, por qualquer motivo, pais e filhos são obrigados a se separarem, apenas as lembranças boas, os momentos felizes, as situações engraçadas, as broncas desnecessárias, a desobediência consciente, os suspiros inconformados, a convivência simples e os instantes marcantes se fincam na memória e são eternizados.
Pais e filhos passarão o próximo domingo comemorando o dia dos pais. Como geralmente fazemos em minha casa, minha namorada e minha filha virão de Paraguaçu, meu irmão provavelmente trará a namorada dele, meu outro irmão dormirá, minha mãe se enfiará prazerosamente na cozinha. Como pais e filhos que ainda não estão separados, festejaremos o dia dos pais na casa cujas portas sempre estão abertas para você, Zé Poeta.
Meus irmãos e eu poderemos presentear meu pai com um livro, um disco ou um filme. Um livro, um disco ou um filme são presentes que mais cedo ou mais tarde serão lançados no esquecimento. O pai dificilmente lembrará o presente e os filhos jamais imaginarão que presentearam o pai. Bons presentes são os utilizados todos os dias. E, nesse ponto, fico feliz por você, Zé Poeta. Porque você é um dos poucos que, na noite do dia dos pais, poderá olhar orgulhoso para cima e vislumbrar a estrela Tábata, a estrela que você ajudou a fixar permanentemente no céu. A estrela que com magnitude, singularidade, beleza e ousadia ilumina o universo e nos mostra os trajetos da perseverança, da persistência, da alegria, do amor.
*Publicado originalmente no Jornal de Assis (Assis – SP) de 6 de agosto de 2009.