SONHADORA

Ainda ontem, um domingo como qualquer outro, exceto por causa do frio levemente lânguido que desfrutava dos braços desnudos, deixou-se borbulhar mais uam vez nas gotas ávidas dos sonhos. Esses sonhos que não incomodam, apenas deixam vagar os pensamentos, cismas.

O tempo era somente seu e tomava-a nos braços numa liberdade não consentida. Ela queria ser dona do tempo. Mas ele era mais afoito e a abraçava fortemente qual libertino que se entrega a conseguir aventuras.

Não reagia. Não havia vontade suficiente para reagir aos apelos quase silenciosos do tempo. Mas no rosto, havia essa sombra estranha que lastimava não ter convicções possíveis para afastá-lo.

Invisivelmente as estações passavam pelo calendário desse tempo. Mas via seus sinais na primavera que partira deixando flores murchas. No verão torrencial e cálido. No outono ocre que suspirava seus sonhos. Depois veio o inverno. Sentiu-o branco. Sentiu-lhe a carícia fria. Não esquivou. Tinha aprendido a aceitar todas as situações. Deu-se ao beijo frio que refazia todas as curvas de seu corpo. Estremeceu. Os sonhos seguiam o mesmo ritual dessas manhãs de inverno.

Num momento de enfado, decidira-se que nada mais possuiria seu corpo. Nem aquele tempo ousado que lhe despia dos sobejos de lucidez. Nem aquele frio profano que ousava beijar o corpo mais solitário.

Mas sabia que não seria fácil. Acostumara-se a essas posses insistentes que lhe coroavam os dias. Cercou-se então de indiferença. Talvez buscasse algo que jamais encontraria. Caminhava sempre nessas estradas abstratas e mergulhava nesses sonhos impossíveis. Sua emoção era sonhar, enquanto o tempo aproveitava de seus devaneios para possuí-la. Era uma sonhadora incorrigível.
Sonia de Fátima Machado Silva
Enviado por Sonia de Fátima Machado Silva em 12/06/2006
Reeditado em 16/12/2008
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