ALGUMAS COISAS...
Algumas coisas acontecem o tempo todo, desde o nosso nascimento, segundo a segundo e, entra ano e sai ano, nunca percebemos. Só o percebemos quando já é tarde demais, quando só nos restam lágrimas de arrependimento, quando estamos no xeque-mate e devido à regra imutável do jogo não podemos mover mais nenhuma peça. Assim têm sido as relações humanas...
É certo que hoje poucos acreditam na instituição família, palavras como fidelidade ou crenças como a da alma gêmea ou do sonho do 'até que a morte os separe'... De quem será a culpa? Vivemos num mundo em que um senhor de idade é esfaqueado no banheiro de shopping, em que matar o maior número de pessoas é meta em jogo de videogame para adolescentes, em que abraços e beijos de pais e filhos só acontecem em aniversário, natal e ano novo, às vezes nem isso. E então perguntamos 'aonde vamos parar', quando deveríamos nos perguntar 'por que chegamos até aqui?'. Viajemos no tempo.
No início havia um imenso terreno vazio, alagadiço. Aos poucos foi soterrado. Colocaram arenoso e pedras. Menos do que realmente precisava. E foi aconselhado: "Dedique-se ao alicerce! Gaste tempo, amor e dedicação, o quanto puder, para não ter dor de cabeça no futuro".
Conselho, como sempre, uns ouvem, outros não. Mesmo com menos pedras e arenoso de que precisava, levantou-se as paredes e colocou-se o telhado. E mesmo antes de rebocar ou por piso de cerâmica, mudaram-se e fizeram daquela construção um lar. A criança deu seus primeiros passos arranhando seus joelhos no barro "assentado" e brincando com os grilos, sapos e gias que transpassavam as frestas da parede nua em blocos. Com o passar dos anos, a criança aprendeu a falar. A casa ganhou um muro, depois do menino cortar a barriga com a cerca de zinco. Com a vinda do caçula, o lar ganhou paredes rebocadas e um ventilador pra toda família, isso enquanto todos estivessem juntos jantando. Depois disso era do homem da casa. Afinal, o caçula e as moscas que o marcavam já tinha naquela altura um certo laço de amizade. E as constantes micoses do mais velho já não eram mais novidade e mais calor ou menos calor não iria mudar nada. E a "dona de casa" estava acostumada com alta temperatura, pois uma vez por mês fazia escova. Era uma família cheia de amor. Cada um se amava. Dividiam um mesmo teto. Mas cada um vivia a sua miséria em seu próprio mundo.
Durante a adolescência do mais velho, as paredes ganharam uma pintura. A mãe formou-se no segundo grau graças ao supletivo e conseguiu o seu primeiro emprego. O pai era demitido pela oitava vez: a idade do mais novo. Com a esposa trabalhando, adquiriram bens: televisão, rádio, DVD, ventilador de teto. O muro ganhou azulejos. O teto foi forrado de gesso, as paredes também, a casa estava linda. Mas vez por outra aparecia uma rachadura. A última a dona de casa viu depois que levou um soco e caiu no pé do fogão. Daquele ângulo deu pra ver direitinho. Até esqueceu do sangue que escorria do nariz.
Engraçado, apesar de estarem progredindo, eles ainda eram completos estranhos entre si. E por mais que a casa sofresse reformas em pouco tempo sempre apareciam novas rachaduras. Como a que o pai viu no piso quando o mais velho tentou matar o mais novo com uma facada, por ciúmes.
Um dia, num breve momento de lucidez, o pai se perguntou: "Aonde vamos parar?". Quando o mais correto era se perguntar como tinha chegado até ali. É tão cômodo não nos fazermos certas perguntas, principalmente quando sabemos a resposta, e sabemos de quem é a culpa...
Dedique-se ao alicerce! Gaste tempo, amor e dedicação, o quanto puder, para não ter dor de cabeça no futuro.
Pode ser piegas, pode ser meloso, pode ser um sonho... mas, mesmo assim, gaste todo tempo do mundo com o amor, ele é e sempre será o alicerce para nossa vida, se não você sempre terá rachaduras ao longo da sua existência. E existir não é o mesmo que viver.
AUTOR: Anderson Sant' Anna - 24/01/2008 - 15h23min