EU, CAMINHEIRO
"caminante, no hay camino, se hace camino al andar"
(António Machado, poeta sevilhano)
Atento a uma foto amarela, como quem, com curiosidade em razão da velhice, vê o passado, certas cidades me são assim.
O frio característico daquele vale onde está encravada, refina recordações de dias de inverno. O vento percorre o vale e uma pipa alça vôo.
Pés descalços.
Sob a pipa — o menino descalço aguarda o corte da linha —, homens de chapéu conversam, suas bicicletas postadas. Completa a visão o jardim resultante de colonização nipônica.
É um passado persistente, sobrevivente.
Um estranho é um estranho, não mais que isso e, no entanto, suficiente para atrair olhares.
Ônibus demora; rodoviária vazia.
Sempre mais solícitos, os velhos curiosos observam o que o caminheiro escreve enquanto os observa.
No bar, um homem espanta um cachorro e também observa.
Uma mulher hesita sentar-se ao seu lado.
O velho se aproxima. Pensa em discrição, enfim, falho na tentativa, pergunta:
— Cê num é daqui, é?!
— Posso ter sido!
Distancia-se sem compreender, sem que o estranho caminheiro dissesse que sua cidade era aquilo há muitos anos, que ele é o futuro daquele menino descalço que agora corre; encontra um compadre:
— Coitado, tão moço e biruta, já!
A curiosidade se esvai, em seu lugar olhos piedosos se afastam do estranho.
O caminheiro desaperta o nó da gravata; deve ter sido a gravata.
ANTONIO MILITÃO