Fim de chuva no início da noite
Fim de chuva no início da noite
Olho atentamente o chão molhado da rua e vejo as faixas brancas que marcam o sinal do cruzamento; as pessoas passam conversando num tom que não chega aos meus ouvidos; a brisa fresca e suave entra pela janela e me dá uma sensação de bem estar. Enquanto olho, passam em minha cabeça nomes e pessoas, num exercício de memória improdutivo. Não sei como esses momentos se apresentam de modo sorrateiro, insistindo para que eu fique melancólico, sentimento que não me é comum e nem duradouro. Volto a caminhar pelos trilhos dos trens desafiando o perigo, num equilíbrio instável e traquinas; também, o fogaréu que coloco no terreno baldio, numa adoração do fogo que sempre temi; a lembrança dos projéteis de fuzil que dissecava com o canivete, tendo a sorte de não explodi-los levando-me junto as mãos. Deixo que Pierre Boulez impregne o ambiente com seus sons dissonantes, que não agradam aos meus ouvidos acostumados ao sofrimento de Chopin, às agruras de Beethoven e às cronicopatias de Mozart. Compreendo o poema tabacaria de Pessoa, pois, ele também estava à janela, quem sabe num dia de chuva?