A CORRERIA DO "AU-AU!"
Se alguém estiver pensando que pelo título acima trata-se da aventura de algum cachorrinho de estimação, estará completamente equivocado. O “au-au” dessa pequena crônica trata-se de um senhor que tem essa alcunha por andar sempre com o seu pequeno “lipe-lipe”, um inquieto e bonitinho cão, o qual o acompanha sempre amarrado a uma corrente no seu carrinho onde acumula produtos recicláveis através das ruas e lixeiras do nosso bairro.
Durante seus 48 anos de vida, o sr. Anísio já fez, como ele mesmo diz: “um pouco de tudo”. Já trabalhou muito em várias firmas e, ultimamente, em açougues, pois se considera e realmente sempre foi reconhecido como um eficiente açougueiro. Além disso, contituiu família, sendo pai de um casal de filhos, até que, devido a sua instabilidade em empregos e sua tendência etílica inveterada, o seu lar foi desfeito. Sua vida conjugal se desmoronou e partiu então para uma rotina solitária e instável, dormindo aqui e ali e vivendo de favores. Até que, certo dia, tomou uma decisão muito importante em sua desregrada vida: deu um tempo com a bebida, fez alguns “bicos” e conseguiu comprar um carrinho de mão para fazer carreto, onde passa os dias, como várias outras pessoas, juntando papelão, latinhas e demais produtos recicláveis. Além disso, conseguiu um cômodo para dormir e guardar seus apetrechos com mais segurança, não digo conforto. Mas, pelo menos, foi muito melhor do que ficar ao léu.
Apesar de nunca dispensar uma “branquinha”, o “au-au” até que se controla bem e bebe só o básico ou “socialmente”, como o próprio mesmo costuma dizer, entre gargalhadas e usando o seu bordão: “aqui não tem doido não!”. O que muito impressiona quem o conhece é a sua grande facilidade para conversar e trocar ideias. É algo que o diferencia dos demais trabalhadores dessa área. Em primeiro lugar, não demonstra “esquentar” a cabeça com nada. Para ele a vida sempre foi e é bela. É, portanto, muito brincalhão e criativo. Por exemplo, a começar pelo seu “carrinho” onde ele enfeitou com uma bandeira do Brasil que ganhou de uma freguesa. Ela ficou sendo a sua marca registrada, o seu baluarte. Outro apetrecho que ele faz questão de usar é um inseparável fone de ouvidos, daquele bem moderno, acoplado com um pequeno microfone. E o engraçado é que nada disso funciona: é só adorno. Só que, quando ele está inspirado, após”molhar a língua”, isto é, tomar umas e outras, para impressionar alguns pedestres e transeuntes incautos, ele passa a simular um “diálogo” esdrúxulo” com alguém imaginário, ou seja, vai conversando sozinho, só que tudo que ele diz tem sentido e qualquer pessoa pensa mesmo que ele, naquele momento, está se comunicando com algum colega de profissão. Só que é tudo balela. Na realidade, o “au-au” está apenas se divertindo e querendo fazer graça para passar o tempo. Pensando bem, ele é mesmo uma grande figura e um eterno gozador. Quem o conhece bem só assina embaixo, sem dúvida, pois sabe que ele não é lá muito de briga. Às vezes, simula também uma discussão com algum conhecido que está passando pelo outro lado da rua, então as demais pessoas que estão por fora do lance, realmente chegam a pensar que se trata mesmo de uma discussão séria ou começo de briga. Nada disso. São as palhaçadas do “au-au”. Quando a brincadeira chega ao fim, simplesmente, solta o seu bordão: “Aqui não tem doido não!”.
Como dessa vida não se leva nada, ele quer mesmo é aproveitar cada dia, cada hora, cada minuto, de olho nas lixeiras ou algum entulho das ruas daqui do nosso bairro da zona leste de São Paulo e mais uma vez, como o próprio diz, enchendo o peito: “o resto é resto!”. Só que, pensando bem, é disso que ele tira o seu sustento. Agora, vai falar isso pra ele!...O qual se autodenomina de “empresário”. Chegou a contratar um “funcionário” mas não demorou muito “mandou embora”. Segundo ele, o dito cujo estava chegando sempre atrasado ao serviço e não estava rendendo o máximo como ele queria. Mas, uma vez, tudo fruto da sua fértil imaginação. Enfim, o “au-au” é um grande barato e uma figura ímpar, apesar dos pesares. Afinal, “ninguém é um mal concentrado!” E acima de tudo, “aqui não tem doido não”, não é “au-au”?
João Bosco de Andrade Araújo
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