Desaprendendo...
Águida Hettwer
 
 
    Num divã a memória faz regressão, no cordão umbilical, inicia-se um novo ciclo. As lembranças passam de raspão pela quina, ainda restam os farelos do pão sobre a mesa.  As marcas ficaram como quem conta um segredo ao ouvido.
 
   As rendas enfeitam as beiradas, mas não adornam a solidão, de uma toalha alva e vazia. Sem manchas de café derramado, na distração das conversas e risos de uma família. Sem o leite entornado das crianças, e respingos de molho pelo chão.
 
 As cartas seladas ainda guardam o sabor da saliva, no envelope o tempo passou despercebido. Na caixa de costuras, há retalhos de vidas. Cortadas em tiras ainda por emendar. O alinhavar da saudade pisa nos calos e faz doer à alma.
 
 União de silabas contadas, escorrem da escrita, onde a alma devaneia sem medo, inspirada nos segredos da noite. O tempo cicatriza as mágoas, soluçam os pensares, deságua em rios de lágrimas.
 
 Em verbalização de infância, sentir-se amado, vai além das regras, criam raízes. As visitas se estendem depois de cada domingo, um telefone na madrugada, perturba apenas a solidão, mas para quem o recebe é sinal de zelo.
 
 No quintal da memória, brinca-se ainda de roda e de esconde-esconde. Convertendo olhares ao mesmo luar, em dose de segurança quando as mãos entrelaçarem, afugentando assim, o medo de ser feliz. Em caudal de amor, há doce prenuncia.  
 
 Dar o primeiro passo em direção do abraço, estender os braços e o corpo inteiro. No amor não há preconceitos, e nem mandamentos concretos a serem seguidos à risca, tudo é válido desde que tenha desprendimento de ambos.
 
 Na simplicidade de um gesto de carinho, medimos um mundo enrodilhado de calor humano, colhemos de herança, vida partilhada em abundância. Como se nascessem de novo, e pudessem desprezar os erros cometidos, desaprendendo. Para aprender, no entendimento de que em cada erro ouve intenção de acerto.
 
 
 
   03.08.2009