Panduí
Não pergunte de onde vem essa expressão que não sei definir. Deve se tratar de mais uma denominação indígena. Só sei que um dia foi um rio e que nesse Panduí ficou minha memória dos tempo de guri. Eta rio formoso que me deu tanto alegria. Foram nas suas águas que fiz tanta folia, nadando de braçada naquela represa que parecia uma fortaleza. Ali...Um dia teve uma usina, mas no meu tempo já não se via tal feito, pois, pra mim, isso era coisa de Prefeito e não era o melhor de tudo, porque o que importava eram minhas andanças do tempo de criança, quando caminhava horas a fio, para chegar naquele rio.
Para mim era traquinagem na busca da minha liberdade; saia de casa numa fuga de meia tarde, a pé ou de bicicleta, ia em linha reta, até chegar no matadouro onde tinha o cheiro de couro; era, talvez, minha estréia como calouro, queria chegar o mais rápido que podia, para voltar ainda de dia. Mas, o melhor mesmo; era a farra, com a turma que me acompanhava, pois o desvio era inevitável, por aquela estradinha de areia, que acabava levando ao encontro de sereias, que ali habitavam; naquela zona de alta frequência, levando a gurizada á demência, quando aparecia uma beldade quase sem roupa, conspirando contra minha vontade, num leve sorriso matreiro e perguntando se alguém tinha dinheiro. Aí vinha o desespero! Não adiantava ficar muito faceiro, porque “grana” não era nosso terreiro.
A chegada no rio era triunfal, para mim (naquela época), não existia nada igual. Era como nadar num mar de águas de sal. Ou melhor, não eram águas salgadas e sim águas geladas, que se estendiam num vasto canal, que trazia suspiro ante aquele fenômeno colossal, porque também se ouvia os ruídos que pareciam estampidos, que vinham da cachoeira exigente, que balançava o coração da gente. Olhava aquele espelho verde que sinalizava como convite, era a parte mais profunda que me permitia um vasto mergulho, assim me despia das roupas poeirentas e logo exibia o calção de náilon - tão frouxo - com alguns traços de roxo e, me atirava com tudo, chegava a ficar mudo, pelo pulo indomável, que me arremessava nas águas naquele mergulho profundo. Nas braçadas ligeiras ouvia os alaridos e os gritos que vinham em coro. Era uma torcida demente que se movia desafiante, tripudiando meu gesto, pois todos se achavam acima da razão - era uma disputa sadia – mas cheia de valentia. As vezes alguém caia - machucando o corpo - mas nada disso era obstáculo para interromper o espetáculo, porque era a alma que brincava naquelas águas turvas mesmo com o perigo - de lá em casa - levar aquela surra!!!
Rio que banhou nossas vidas. Águas que levavam nossos pais a se aproveitar de nossa ingenuidade, tirando-nos da cidade, para nos levar ao melhor rio do mundo, pois seus carros estavam imundos. Os jipões desciam tracionados. Alguns até ficavam atolados. Mas não havia dificuldade, tudo era resolvido com simplicidade; aos empurrões e gritos os carros barulhentos iam se livrando da lama e nós ficando com a fama. Eram os garotos que se afundavam nas águas e que venciam suas correntezas, através de tantas proezas.
Hoje tudo se apagou. Só nossa memória ficou de um passado distante. Nada é mais como antes. Tive grande desgosto ao ver nosso saudoso Panduí. Suas águas sumiram. Evaporaram-se nos tempos. Tudo passou como o vento. Os homens destruíram seus encantos com sua sede de ganho. Tudo não passou de um sonho de infância. Talvez seja a ganância. Não sei bem! Talvez não valha um vintém! Não é justo fazer isso com a natureza, destruindo nossa represa. Já é hora de despertar e acordar desse pesadelo. Nossas águas merecem nosso zelo. Vamos preservar o que ainda temos, porque não vale a pena viver do passado. Precisamos pensar em quem esta sendo gerado. Vamos esquecer nossos arados. Parar de descerrar os cerrados. Assim vamos evitar o fim de tantos Panduís que tivemos o desfrute de vivenciá-lo quando fomos guris...