A mulher que enxergava a música
Vi num programa dominical uma reportagem que me deixou encantado. Era sobre uma mulher que via e sentia o gosto da música. A explicação científica para o fenômeno era complicada e eu, pobre leigo que sou, sou incapaz de reproduzi-la. Mas o importante é o fato: ela enxerga e sente – literalmente – a música. Isso não é maravilhoso?
Se pudéssemos voltar no tempo, digamos até a Idade Média, por exemplo, a mulher dificilmente escaparia da fogueira, se revelasse ser a dona do prodígio. Em outra época tratar-se-ia de um milagre. Nos dias de hoje, diante do frio aval da ciência, é o fruto de ligações neuroquímicas, cuja capacidade é restrita a um limitado número de pessoas, portanto é um acontecimento inserido em uma cadeia de previsibilidade – ainda que seja raro.
Nunca fui um entusiasta a respeito de determinadas certezas do mundo, o progresso é uma delas. As minhas leituras da época da faculdade apenas me fizeram crer que neste terceiro milênio se encontraria o triunfo da razão. E isso não é utópico frente ao que a ciência pode oferecer. O problema é o paradoxo. Produz-se comida suficiente para todos, só que ainda há fome. Domina-se a exploração de petróleo em águas profundas e em terra firme mesmo, há gente que não tem casa. A meta é conquistar o universo, enquanto no planeta Terra surgem 50 espécies não catalogadas todos os dias. A previsão do tempo diz que fará sol o dia todo e mesmo assim ainda chove. O conhecimento humano pode dar tudo, ao mesmo tempo em que mostra faltar muita coisa.
Diante da imparcialidade dos números e da força das leis científicas, o antídoto é, vez em quando, acreditar em milagres. E o que é um milagre? Um milagre é um fenômeno que ultrapassa o desconhecido, que insolentemente desafia as fronteiras do real. Sempre acreditei que o êxito de pessoas como Jesus Cristo e Sócrates, foi desafiar as regras do jogo, não se omitir nem silenciar, mesmo sob a ameaça de imposição da maior barreira que se pode impor, essas pessoas não temeram sequer a morte e independentemente do que se acredite, elas foram vencedoras – tanto que é delas que se está falando. Não é ser otimista em excesso, mas com tudo que se vê hoje em dia, saber que existem pessoas capazes de perceber o mundo de outra maneira, enxergando e sentindo o gosto da música, por exemplo, não deixa de ser um milagre.