Tempos Modernos

Naquela manhã de sábado, primavera de 1936, acordei com os inistentes latidos do cão labrador. Vesti-me, afastei as cortinas e vislumbei um casal que conversava com o meu tio na varanda da casa. Ao aproximar-me pude conferir melhor a dupla: a mulher, muito jovem e esbelta tinha olhos claros, cabelos levemente ondulados, longos e escuros. Usava um vestido xadrez e um chapéu preso com fitas que terminavam num grande laço sobre o colo. Era simpática e cheia de vida. O homem usava um pequeno bigode de broxa e era franzino e pequeno. Aparentava uns 40 anos ou um pouco mais. Possuia maneiras refinadas e parecia ter a dignidade de um cavalheiro. Usava um fraque preto esgarçado, calças e sapatos desgastados e bem maiores que o seu número, um chapéu coco, uma bengala de bambu e uma bolsa. Chamou-me a atenção o seu jeito tímido e o seu sorriso triste. Muito triste.

Não queriam incomodar. Ele explicou-nos que eram atores e que ele, além disso, era diretor, roteirista de cinema e músico. Só estavam de passagem e ele precisava usar o telefone. Ao fazê-lo, enquanto manuseava nervosamente uns papeis que retirava e colocava de volta na bolsa, percebí que era canhoto.

Ao final, agradeceu a nossa acolhida e sairam estrada afora.

Nunca soubemos se aquelas informações eram verdadeiras, nem porque o homem não voltou para pegar o envelope esquecido sobre a mesa. Nele, havia escritos cuidadosamente amarrados onde se podia ler na primeira folha, a inscrição: "Modern Times" e logo abaixo o nome do autor.

Verdade ou não, o fato é que ele e aquela magnífica história impressionaram fortemente a mim e ao meu tio. Bem mais fortemente a mim, que nunca esquecí, dentre outras coisas, o fiasco da esdrúxula Máquina "Alimentadora Bellows", a qual, perdi as contas de quantas vezes li.

Meu tio, sabedor disso, meses mais tarde, me surpreendeu enviando-me a foto em que registrara a passagem daquele personagem exótico em nossas vidas e constava de uma imagem pequena da dupla se distanciando pela estrada de barro da fazenda. No verso, a inscrição:"Eis aí o homenzinho tragicômico"